Se o som dos equipamentos high-end mais esotéricos fosse vendido em ovos Fabergé, manufaturados por filhos de ninjas nascidos em anos bissextos, utilizando métodos delicados e demorados, e com os materiais mais requintados, teríamos, sem dúvida, um best-seller.
Brincadeiras à parte, há, de facto, um Olimpo na alta-fidelidade, acessível apenas aos deuses da humanidade. Logo abaixo, encontramos a realeza da alta-fidelidade, composta por marcas que se empenham exclusivamente na excelência sonora.
Uma dessas marcas é a LampizatOr, um fabricante high-end polaco especializado em conversores (DACs). A mente criativa por trás desta marca é Łukasz Fikus, cujo trabalho se posiciona entre os mais respeitados no mercado de DACs high-end. Por cá, neste pequeno rectângulo a que chamamos Portugal, os DACs desta marca posicionam-se entre os oito e os mais de cinquenta mil euros, o que os torna inacessíveis para a maioria das carteiras.
Na terra de Chopin, temos também a Toroidy, conhecida por fornecer transformadores para muitos fabricantes de alta-fidelidade. Esta empresa lançou a sua própria marca de alta-fidelidade, a Fezz Audio. O Sr. Łukasz Fikus e o Sr. Maciej Lachowski (a personalidade à frente da Fezz Audio) provavelmente cruzam-se frequentemente, não apenas na terra dos pierogi, mas também no caminho para, e na volta dos eventos internacionais de áudio.
Conta a História que o Sr. Fikus tinha um projecto de DAC na gaveta que não seria usado pela LampizatOr por não suportar DSD e, em conversa com o Sr. Lachowski, sugeriu-o ao amigo da Fezz. Na Fezz criaram um transformador que atendesse às necessidades deste circuito e colocaram-no dentro de uma daquelas caixas da marca premiadas pelo design.
Este circuito contém dois chips DAC Burr-Brown PCM 1794, operando em dual-mono para converter sinais até 24-bits/192 kHz (apenas PCM. Quantos ainda ouvem DSD?). Na entrada, o sinal é isolado galvanicamente, e na saída temos um circuito Single Ended Triode sem feedback, com uma válvula ECC82 ou 12AU7 à escolha, orgulhosamente exposta numa pequena janela transparente na parte superior do conversor. Além do efeito estético, essa janela permite fácil acesso à válvula para troca, possibilitando a personalização da assinatura sonora deste DAC.
O que tudo isto me diz? Poderia dizer muito. Mas, até antes de começar a ouvir, a verdade é que me diz pouco! No entanto, aquelas três letrinhas mágicas – SET (Single Ended Triode) – tendem a fazer a música planar e materializar os sons nas salas de audição.
Resumindo, o Sr. Łukasz Fikus tinha um DAC na gaveta que não suportava DSD (o que, como sabemos, o deixava fora não apenas das expectativas do Olimpo, mas também da realeza do hi-fi) e viu a oportunidade de o colocar numa marca que não compete no mesmo campeonato que a LampizatOr e que ainda não tinha um conversor dedicado. Quem ganhou? Em relação aos outros, não sei, mas eu ganhei! Porquê? Porque eu tive a oportunidade de o ouvir em minha casa. Os €2600 pedidos pela Fezz Audio? Só podem ser um erro de impressão. Mas não digam a ninguém, não vão eles acordar e acrescentar mais mil euros ou mais no preço pedido. Este será o nosso segredo.
O que os olhos vêm
A linha Evolution da Fezz Audio ganhou o prémio Red Dot Design, e é fácil perceber porquê. Já mencionei aqui, há mais de um ano, na review do integrado Silver Luna Prestige, que se Jony Ive, responsável pelo design dos produtos da Apple desde o renascimento da marca, desenhasse equipamentos de áudio, poderia ter desenhado a esta linha Evolution da Fezz. Porquê? As imagens valem mais que mil palavras.
Na frente, ao centro, o logótipo da marca é subtilmente retroiluminado. À esquerda, a logomarca LampizatOr. À direita, o botão de seleção, com um discreto ponto de LED aceso a indicar a fonte selecionada. Em cima, a janela com acesso à válvula, permitindo a sua substituição caso desejemos alterar a sonoridade deste DAC, e, claro, também para podermos apreciar a sua luminescência laranja. Na parte traseira, temos a entrada para o cabo de corrente, o seletor de terra, as saídas RCA, e as entradas USB-B, coaxial e duas óticas.
Com o que emparelhei o Equinox by LampizatOr?
O Francisco da Ultimate Audio enviou, para acompanhar o DAC da Fezz, um streamer que exemplifica como muitos streamers deveriam ser: uma caixinha, e pronto. Sem painéis e luzes a criar ruídos, nem eletrónica a mais para complicar. Afinal, não é no smartphone ou tablet que costumamos comandar o streamer? Esta caixinha é o Primare NP5 Prisma MkII e está disponível por €600. Funciona com a app de streaming desenvolvida pela marca sueca, uma das minhas favoritas também pela sua simplicidade. Para contrapor este conjunto, usei o Volumio Primo, um streamer com DAC integrado (review a sair nos próximos dias). A amplificação de ambas as combinações ficou a cargo do Pier Audio MS-480 SE (review aqui). As colunas foram as B&W 607 S3 e as Triangle Borea 03.
E o som?
Ok, ok! Sei que muitos de nós estamos habituados a ler textos de três linhas, e já vou muito além disso, por isso vou resumir o som em três palavras: orgânico, detalhado e energético. E musculado!, que, apesar de não ser exactamente a mesma coisa, merece ser mencionado. E vão quatro, não três!
Querem exemplos? “Cold Little Heart” de Michael Kiwanuka. A leve rouquidão de Kiwanuka combina perfeitamente com a pedaleira com distorção e contrasta com as vozes de fundo e cordas. O Equinox veste esta música como um fato de charme. Quando digo “veste”, digo-o como um filtro veste um plano de uma câmara fotográfica ou de filmar. Toda a apresentação faz parte do mesmo fato com o Equinox. Aqui o blazer, as calças, a camisa, a gravata, os botões de punho, os sapatos, todos fazem sentido juntos. Todos fazem parte do mesmo conjunto, mesmo a camisa contrastando com o fato e os botões de punho combinando com os sapatos. Tudo faz sentido, tudo se liga, apesar de cada peça se apresentar com todo o detalhe. Aqui faz sentido dar o exemplo da forma como o relevo na estria de um disco de vinil contém um som. Pois é desta forma texturada e detalhada que este DAC apresenta a sequência de zeros e uns que faz a música digital. Já estarão a ver onde quero chegar com isto…
“Son of a Preacher Man” de Dusty Springfield. O timbre da voz de Springfield e de The Sweet Inspirations é extraordinário. Nina Simone, com “Lilac Wine”, e especialmente em “Don’t Explain”, atinge níveis anímicos quase insuportáveis. É a primeira vez que a reprodução destas músicas me atinge no âmago do meu ser? Não, não é. Mas a combinação do Equinox com o 480 SE teve o dom de me fazer sentir as dores de Nina de forma mais profunda.
“I Feel You (live 1993)” e “Condemnation (live 1993)” de Depeche Mode. São as aflições de amor e devoção de Martin Gore desta vez, com as vozes de apoio na primeira e Dave Gahan em crescendo na segunda a atingir-me desprevenido com a fantástica energia que emana da música. “Querelle” dos Pop Dell’Arte, a música parece ganhar vida, e volto a sentir a tensão em crescendo presente no videoclip (lembram-se do saudoso PopOff?). O sentido orgânico que acrescenta às vozes em “Chuva” de Mariza e a “Escrevi Teu Nome No Vento” de Carminho. Imagino-me em Matosinhos, na esplanada, a comer leite-creme queimado pela resistência aquecida pelas brasas que também grelharam as sardinhas. E tal como em Matosinhos, a voz cremosa das fadistas partilhou o espaço musical com o crepitar estaladiço da guitarra portuguesa, sem que nenhuma quisesse invadir a outra, com um sentido fluido que não é comum. O Equinox também manteve os agudos bem estendidos, mas sempre controlados, nunca incomodativos nem cansativos.
“Flight From The City” de Johann Johannsson, Yuki Numata Resnick, Ben Russel, Clarice Jensen & Tarn Travers entrega uma atmosfera profunda e escura. O piano tem um som carnudo, com as cordas a aparecerem em camadas, cada som com diferente profundidade, mas, mais uma vez, tudo ligado, tudo faz sentido como um todo. Aqui, o destaque poderia ir para o piano, mas o Equinox não lhe dá mais atenção do que necessita, mantendo-o sempre escuro, e com riqueza no tom. Como uma boa carne grelhada. As notas graves, e médio-graves, presentes em grande parte nesta faixa, têm clareza e riqueza de timbre.
Em “Tribulations” dos LCD Soundsystem, as notas graves, densas e mais suaves que estava habituado a ouvir nesta banda, tomam a dianteira e conduzem a música para a frente, numa toada energética. Sempre com detalhe em quantidade, contribuindo para um palco sonoro aberto, mas sem o esfregar na cara..
O grave produzido por este DAC é poderoso, articulado e muito presente, mas sem nunca se sobrepor aos médios e agudos, mesmo com a sua imponência. Acrescentaria ao grave a também a precisão, com detalhes bem definidos, enquanto os médios têm substância, sem acrescentar peso ou causar qualquer sensação de lentidão. A gama média destaca-se, oferecendo vozes e instrumentos com tonalidade natural, resultando num som vivo, equilibrado e incrivelmente natural.
Os agudos são extensos e doces por vezes, com o brilho a nunca encandear. Detalhados e abertos. O palco musical é aberto e sobretudo profundo, com suficiente delineação dos instrumentos.
Nunca tive vontade de terminar as sessões de audição, muito pelo contrário. Com as devidas consequências na relação com os vizinhos.
Apesar da excelência dos equipamentos que me têm passado ultimamente por casa, este foi um dos que mais me deixou a sensação de retrocesso quando o devolvi. O Equinox foi para mim verdadeiramente surpreendente! Pergunto-me: será realmente necessário procurar algo superior a este DAC?
Aviso:
O Equinox by LampizatOr, da Fezz Audio, poderá não ser para todos. Num mercado educado para procurar primeiro pela referência do chip do conversor, este DAC pode passar ao lado de alguns desavisados.
Este DAC foi a minha terceira surpresa do ano. A primeira foram uns auscultadores true ribbon, capazes de levar a música a um nível que eu achava impossível para auscultadores. A segunda foi um integrado híbrido, presente nesta análise e que entregou som capaz de envergonhar muitos equipamentos do dobro do seu preço (e vocês já me ouviram aqui dizer várias vezes que não acredito em tomba-gigantes. Mas lá surgiu o momento de morder a minha própria língua).
O terceiro foi este DAC da Fezz, que, em primeiro lugar, entregou um som que me fez entrar e planar na música como apenas determinados sistemas pertencentes ao Olimpo, e, em segundo lugar, por um preço que eu pensei não ser possível para tudo o que entrega.
Fezz Audio Equinox DAC, by LampizatOr, disponível aqui
Especificações
Type:
D/A converter empowered by Lampizator
Model:
Equinox EVO D/A converter empowered by Lampizator
Tube type:
2x ECC82/12AU7
Digital inputs:
USB type B, 2x S/PDIF, Coaxial
Output:
1x RCA
Operation amplifier:
Burr Brown PCM 1794
S/PDIF Receiver:
Asahi Kasei AKM4118
Harmonic distortion THD:
< 0,05%
Power consumption:
9 W
Net weight:
10 kg
Dimensions:
355x380x95 mm
Equipamento utilizado nesta análise:
Fezz Audio Equinox by LampizatOr, disponível aqui
Primare NP5 Prisma MkII, disponível aqui
Cabo interligação Oyaide, disponível aqui
Volumio Primo, disponível aqui
Pier Audio MS-480, disponível aqui
B&W 607 S3, disponível aqui
Triangle Borea 03, disponível aqui
Cabos coluna Ansuz Speakz X2, disponível aqui