“O Porto é a maior aldeia do mundo” – vociferei, há não muito tempo, centenas de vezes, com uma certeza quase inabalável. Sempre que volto de uma estadia mais longa do que um par de dias, sinto um aperto de saudade e, ao mesmo tempo, um alívio inegável no coração. É como se o “Porto Sentido” fosse a banda sonora da minha alma. “É muita emoçom, cara%o!”* Sim, uso vernáculo como pontuação, porque me corre nas veias “A Pronúncia do Norte”, e se “Os tontos lhe chamam de torpe”**, para mim é símbolo de orgulho, sim senhor!
A minha ligação com o Porto vai além de fronteiras administrativas. A minha família tem raízes profundas aqui, e mesmo tendo crescido na Maia, foi sempre no Porto que encontrei a minha identidade. Contudo, o Porto de hoje já não é o mesmo. A gentrificação empurra os tripeiros para os subúrbios, e a cidade que conhecíamos está a transformar-se numa caricatura de si mesma. As ruas, que antes transbordavam autenticidade, agora, embora cheias de gente, parecem vazias de alma, preenchidas por turistas que, sem se darem conta, expulsaram do Porto aquilo que vinham à procura. Não tarda, restarão apenas as francesinhas e o granito, enquanto as gentes de cá se diluem em memórias.
Ao olhar para além do Porto, foi no Minho e no interior Norte e Centro que senti uma ligação semelhante. Sempre que regresso destas regiões, trago comigo a vontade de voltar. O calor das gentes, a beleza das paisagens e a autenticidade à mesa são um bálsamo para a alma.
Foi com esta disposição que aceitei o convite da Sonaudio de José Manuel Figueiredo, um apaixonado pela alta-fidelidade da região de Dão e Lafões, para o evento áudio que organizou no passado sábado em Carregal do Sal. O meu fiel Mazda, lá se sacrificou de novo, outrora capaz de subir o Marão em sexta velocidade, mas que agora se arrasta com súbitas doenças mecânicas e eletrónicas. Subindo lentamente de Albergaria até Talhadas, com pressa de deixar de ver e cheirar o cinzento, de queimado, dos incêndios da semana passada, o carro forçou-se a fundo, tal como eu, para deixar para trás o cenário dantesco.
O evento teve lugar no NACO – Núcleo Juvenil de Animação Cultural de Oliveirinha. Pode não ser o cenário típico de demonstrações de alta performance áudio, mas o entusiasmo, as medições, e a dedicação de José Manuel e seus amigos compensaram tudo. Ali, longe das capitais, estavam cinco sistemas de áudio de qualidade, acompanhados pelos elegantes vinhos de Dão-Lafões, criando uma atmosfera onde se sentia a paixão e o empenho de todos os envolvidos.
Recordo-me do evento de apresentação da Axxess e Børresen em Viseu, meses antes. A mesma paixão pelas melhores experiências auditivas reinava. Fica aqui o alerta para quem opera neste setor: a alta-fidelidade tem muita força fora das grandes cidades. E, mais uma vez, sou o único a relatar estes eventos transaxle. Talvez seja por isso que me chamam paraquedista – por explorar territórios onde nenhum outro se aventura.
No auditório principal do NACO, reinava o sistema mais “sexy”: colunas Wilson Audio Sabrina X, amplificação Dan D’Agostino Progression, e streamer/DAC dCS Bartok, com regeneração de corrente PS Audio DirectStream P5. Mas a magia estava espalhada por todos os espaços. Três sistemas, no maior deles: a estreia nacional das Monitor Audio Gold 500 (6ªG.) e Monitor Audio Studio 89 com Subwoofer Rel T9x e amplificação Roksan Atessa e Advance Paris Classic A12 e transporte CD Roksan Atessa e streamer Eversolo A8. O segundo, colunas de pé ProAC K1 e Sonus Faber Soneto III (2ªG.) com amplificação a válvulas PrimaLuna Evo 400 e DAC PrimaLuna Evo 100 na conversão do Eversolo A8, e um sistema que surpreendeu pela sua competência, com colunas de design mid-century coaxiais Vestlyd 12C e amplificação dual-mono EAM Labs Classic 102i alimentado pelo leitor de CDs Heed audio Thesis Delta.
Uma sala minúscula, porém, roubou o espetáculo com um conjunto Closer Ogy + Ogy Bass e amplificação híbrida AuroraSound HFSA-1, gira-discos ProJect X8 com célula MC Ortofon Blue e andar de phono AuroraSound Vida com fonte de alimentação externa da mesma marca. O leitor de CDs e conversor foi o Norma DS2 e o condicionado de corrente o Keces IQRP-1500, igual ao do sistema Vestlyd + EAM Labs. Ali, num espaço diminuto, provou-se que o bom som pode estar ao alcance de qualquer espaço, desde que o sistema certo seja escolhido.
O evento foi muito mais do que uma mera demonstração técnica. O verdadeiro destaque foi o espírito das pessoas que ali estavam. No regresso ao Porto, o meu coração vinha cheio – cheio da alma das gentes do interior, das paisagens e da qualidade de vida que ali reside, à espera de quem queira abraçá-la.
Quem sabe, um dia…
* tirado de “Porto Sentido“, Álbum “O Concerto Acústico” de Rui Veloso; composto por Rui Veloso e Carlos Tê.
** tirado de “A Pronúncia do Norte“, Álbum “Rock in Rio Douro” dos GNR; composto por Rui Reininho e Jorge Romão.
Evento organizado por Sonaudio