As salas de demonstração em eventos de áudio têm um propósito claro: mostrar o que um sistema é capaz na reprodução do som gravado. Esta, em particular, mostrou até onde a música pode realmente chegar.
Se eu acreditasse em deuses do áudio, teria deixado uma oferenda na porta. Mas permaneci ali, de ouvidos e coração abertos, tentando perceber se aquilo que ouvi era real — ou apenas uma ilusão bem montada por alguma entidade superior.
Spoiler: foi real. E foi inacreditável!
A primeira impressão: a respiração da música

Sentei-me. Respirei. E a sala respondeu.
Não com ruído, nem com som — mas com uma presença invisível, quase uma respiração cúmplice entre o sistema e a música. A primeira faixa mal tinha começado, e já o espaço à minha volta estava a desaparecer, substituído por outro, novo, tecido a partir de frequências, texturas e silêncios.
“St. James Infirmary Blues” de Triad, Dominick Farinacci, Michael Ward-Bergeman & Christian Tamburr, não soou — aconteceu. Cada sopro de trompete era como vapor quente a subir do chão; a voz, crua, deixava uma impressão no ar, como um hálito frio num espelho. Nunca ouvi uma interpretação tão próxima daquilo que imagino ser a tristeza com swing.
Ali, o tempo não correu. A música não se reproduziu — manifestou-se.
Como é que um sistema faz isto?
Porque não se tratou só de detalhe. Muitos sistemas mostram detalhe, isso não é novo. Este mostrou a razão de ser de cada detalhe.
O batuque da pele do tambor? Não foi só uma nuance. Era a intenção do percussionista.
Aquela microvariação tímbrica na voz de Noa em “Adío Querida”? Não foi apenas fidelidade — foi emoção transformada em som.

No primeiro dia deste evento publiquei um questionário na página do Facebook de MoustachesToys. A uma das perguntas: “Como pode ser melhorado o Trabalho das plataformas de comunicação de Alta-Fidelidade?”, obtive duas respostas que demonstraram um sentimento comum: “Não caindo em verborreias poéticas acerca dos produtos em teste – linguagem mais concisa e menos lírica” e “Mais detalhe técnico e profundo”. Foi um sentimento largamente minoritário face à larguíssima maioria das respostas que pediram mais ligação ao amor em comum das pessoas que consomem conteúdos ligados às máquinas que reproduzem música: a música e a experiência que nos permite. Podia vir para aqui descrever palcos sonoros, graves rápidos, texturas nos médios e agudos brilhantes. Mas prefiro colocar o meu foco no que ouvi e senti, mesmo sem esquecer as questões descritivas tão caras aos audiófilos: porquê? Porque o som que ouvi nesta sala foi uma aula de humanidade, não de engenharia.
Graves com alma, médios com carne, agudos com luz
Quantas vezes já ouvimos sistemas com graves que parecem aplicar uma compressa quente sobre a música? Ou por outro lado, que recuam tanto com medo de ofender que quase desaparecem do mapa?
Aqui, não. Os graves tiveram corpo, peso, mas também nervo e intenção. Não foram graves para impressionar o vizinho — foram graves para fazer justiça à alma da música.
E a magia? Foi perceber que toda esta magnificência da gama baixa não sacrificou nada. Os médios, os agudos, tudo respirou em uníssono, como um corpo vivo e coeso, não um manto de retalhos de componentes.
O ataque das notas em “Jean Pierre” de Marcus Miller foi simplesmente realista… e orgânico. Aquele primeiro kick? Não foi só um som. Foi um gesto. As notas do baixo apareceram, fizeram o que tinham a fazer, e depois desapareceram como um ilusionista que não quer aplausos — só reconhecimento.
O palco sonoro? Um palco real. Com cortinas e tudo.
Em “Fever”, a sala transformou-se em um cabaré. O palco sonoro teve profundidade, largura e altura emocional. Sabes quando consegues apontar com o dedo onde está cada instrumento, e que há ar entre eles? Aqui, havia ar, havia chão, havia um teto invisível onde a reverberação da voz batia antes de cair sobre nós.


Não foi tridimensional. Foi vivido e experimentado.
E quando o sistema diz: “traz o que quiseres, estou pronto”
“My Funny Valentine”, com a aparição de Sting, foi uma das experiências mais intensas da sessão. O trompete de Chris Botti rasgou a sala do Palácio Estoril com uma doçura cortante, como seda a ser cortada por uma tesoura deslizante. O piano, sempre um desafio para qualquer sistema de reprodução musical, apareceu com uma verdade tímbrica e ataque desconcertante. Houve calor, textura e ZERO fatiga auditiva, mesmo com o volume com que Miguel Carvalho comanda as Sessions da Ultimate.
E tudo, absolutamente tudo, emergia de um noise floor inexistente, como se a música nascesse de dentro da própria matéria da sala, sem resistência, sem ruído, sem fricção.
Depois veio “Knocking on Heaven’s Door” na versão espectral de The Ghost of Johnny Cash. Aqui, já não estávamos apenas a ouvir. Estávamos dentro do peito do próprio. Aquela voz não se ouviu — assombrou.
E por trás de tudo isto, os alquimistas do som
Porque este resultado não cai do céu. É o resultado de escolhas que mostram que alguém pensou nisto tudo — não só com a cabeça, mas com o coração.


- Este sistema fez-me questionar se algum dia ouvi verdadeiramente música antes. E larga parte da responsabilidade deveu-se à voz das colunas Stenheim Alumine Five SX.
- Halcro Eclipse Mono e Equinox Preamp: foram a amplificação que não amplificou — traduziu intenções.
- Taiko Olympus & I/O: streamer e server, pela primeira vez com DAC integrado. Alimentado a baterias como mandam as regras, quando o orçamento o permite. Foi fonte de energia e, talvez, de poesia.
- Clearaudio Master Jubilee com DS Audio Grand Master EX (com equalizador a válvulas DS Audio TB-100): o vinil a elevar o nível, à condição de arte performativa, como só neste nível é possível.
- Siltech Master Crown: cabos que serviram de condutas emocionais à música.
- IsoTek Sigma V5 e Titan V5: a permitir o silêncio perfeito, onde a música se sente segura para se revelar.
Afinal, qual é o preço da beleza?
Os comentários de conhecidos de outros eventos e que visitaram esta sala apenas vieram confirmar o que eu tinha acabado de ouvir. Este não é um sistema comum. Uma combinação de máquinas que conseguiram algo muito raro, elevar as qualidades audiófilas de um sistema, a não apenas som excelentemente reproduzido como tantos outros, mas a música num estado superior.
É um convite a parar, escutar, sentir. A reaprender a ouvir.
É um “não” ao ruído do mundo. E um “sim” àquilo que realmente importa: emoção, ligação, verdade.
Conclusão? Não. Reverência.
Saí da sala sem palavras. Mas com os sentidos acesos.
O sistema não me deixou apenas ouvir melhor. Deixou-me sentir mais fundo.
E por isso, esta review não é uma avaliação. É um agradecimento.
Porque há salas que nos mostram equipamentos.
E há outras — raríssimas — que nos devolvem a música.
Esta foi uma dessas.
Obrigada, Ultimate Sessions Xtreme. Esta foi, sem dúvida, uma das grandes.
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