Avançar para o conteúdo
Início » Aventuras do Bigodes no High-end, Ultimate Sessions mar’23

Aventuras do Bigodes no High-end, Ultimate Sessions mar’23

Existem experiências que nos moldam.

Cube Audio Nenuphar Mini, com Tektron Neptune.

Ultimate Sessions Porto, sábado 25 de março

Para os mais distraídos, ou melhor, para o comum dos mortais é importante esclarecer do que estou para aqui a falar. As colunas de chão de driver único fullrange Cube Audio Nenuphar Mini, e o amplificador integrado Single-ended Triode (SET) a válvulas Tektron Neptune.

Cube audio Nenuphar Mini

Estes são dois elementos peculiares no mundo do high-end audio. Peculiares porque, enquanto o resto do mundo continua a apostar em amplificadores com mil Watts, e em colunas com vinte drivers, aqui temos um amplificador com 19 Watts, e colunas com apenas um driver cada uma, e limite de potência admissível.

Passo a explicar. Normalmente a cada problema, o designer acrescenta algo para o resolver. Sendo que a cada passo acrescentamos peças, e com elas “filtragem” ao som. Estas colunas têm apenas um driver, fullrange. Quer isto dizer que o driver é capaz de, desde propulsionar os baixos, até esmiuçar os agudos. Dispensando o crossover. Isto permite, grosso modo, que o sinal passe sem “intermediários”, do amplificador para o driver.

O integrado Tektron Neptune fala a mesma linguagem da simplicidade e da pureza. É um amplificador a válvulas SET (Single-ended Triode) com um par de (míticas) válvulas 211. Ora a grande maioria dos amplificadores são o que chamamos de amplificadores “push-pull”. Num amplificador push-pull, a potência fornecida à coluna é controlada por dois dispositivos (ou dois conjuntos de dispositivos), que funcionam em paralelo, mas efetivamente operam com polaridade invertida – daí o “empurrar” e “puxar”. Esta tipologia é muito utilizada pois resulta na redução de uma classe de distorções harmónicas e melhorias significativas na eficiência do estágio de saída ou ambos.

Num amplificador SET há apenas, “empurrar” ou “puxar”. Apenas um dispositivo (ou conjunto de dispositivos) fornece corrente para a carga sem necessidade de redução de distorção sofisticada ou melhorias de eficiência envolvidas. É nesta tipologia que, para alguns, está o sweet spot. É deste sweet spot que vou falar aqui.

Tektron Neptune

Disse Miguel Esteves Cardoso sobre o Norte:

No Norte têm tudo.

Chorei quando vi o rio Minho do alto do Gerês e chorei quando vi dezenas de famílias em lautas merendas com geleiras gigantes, garrafões de vinho, pessoas a dormir com a cabeça em cima da mesa, crianças a brincar, homens a cantar, mulheres a falar alto, a fazer-nos rir.

Foi a sensação de inocência que se desprendia daquela gente, a certeza que não sabiam o que aí vinha: a massificação do turismo, a expulsão dos pobres, a destruição da simplicidade, disfarçada pela falsidade do “cute” e do “typical” para consumo de ignorantes apressados que usam o Instagram para validar o encontro deles próprios com as várias pseudoculturas pelas quais passam ao de leve.

São as pessoas do Norte que nos endireitam. Quando comecei uma longa descrição do vinho que eu queria, o empregado exasperou-se: “Já está a complicar muito, porra! Fique-se com esta garrafa e não me fale mais de vinho”.

Escusado será dizer que era um vinho verde magnífico, sem indicação do ano de colheita, sem a maldição da madeira e sem desvario alcoólico. Tinha 11 graus e um bocadinho de açúcar residual. Custou nove euros.

Os nortenhos são honestos, sinceros, directos, bem-humorados e generosos. Não se importam de ser desconcertantes. Dizem o que lhes vai na alma e incitam-nos a fazer como eles, a sermos livres.

Vai-se ao Norte e vem-se de lá com a alma lavada e os olhos a brilhar de tanta coisa bonita que lá têm.”

O casamento das Nenuphar Mini com o Neptune soou como a descrição de MEC das gentes do Norte: “honestos, sinceros, directos, bem-humorados e generosos. Não se importam de ser desconcertantes. Dizem o que lhes vai na alma e incitam-nos a fazer como eles, a sermos livres.”

Fui à Ultimate, ali no Porto, ao pé de Serralves, e vim de lá com “a alma lavada e os olhos a brilhar” depois de ouvir Camané a cantar “Sei de um Rio”, ali bem no meio das colunas. Por momentos fiquei com a sensação que o Francisco Monteiro, cicerone da Session e da loja nortenha da Ultimate Audio, terá também ficado embargado pela emoção, que pelo menos a mim as Cube e o Tektron implantou no peito.

O sistema desta “Session” era compreendido por um servidor Innuos, com os “uns e os zeros” descodificados pelo DAC do leitor de CD Accuphase. Mais o integrado e o par de colunas. Tudo muito simples.

O som deste sistema enchia as três dimensões da sala, de ondas sonoras que iam e vinham, mesmo apesar dos “míseros” 19 Watts e da magra “pegada” das colunas. Já terei ouvido sistemas a “pesar” muito mais e a soar muito menos. Definitivamente a mexer muito menos comigo por dentro, que é o que interessa.

Eu juro! Algum dos meus vizinhos já terá espetado agulhas num boneco com um bigode, em ritual voodoo, quando faço as minhas “sessions” privadas em casa, e o prédio abana com Klaus Tennstedt e a Berlin Philharmonic Orchestra na “Cavalgada das Valquírias” de Wagner. Mas nesta “Session”, ao pé de Serralves, este sistema não necessitou de berrar, nem abalar os alicerces do edifício, para que o sax de Ben Webster me raspasse a pele, com toda a sua textura.

O que eu ouvi foram vozes e instrumentos acústicos com timbre natural e situados bem definidos no espaço da sala de audição. Um sistema, que pelos números anunciados, não era suposto encher aquela sala daquela maneira. Mas encheu, com aquele som que nos habituamos a chamar de som valvulado, mas com graves “cheios de cabedal”. Som líquido, mas focado, e com os instrumentos bem separados a “pairar” pela sala. Estas válvulas não soavam gordas e lentas, mas sim musculadas e ágeis. E tudo palpável. Palpável, natural e orgânico.

Existem experiências que nos moldam.

Ultimate audio Sessions

Ouço vezes sem conta falar na viagem, quando alguns audiófilos contam a sua experiência na busca do “Graal”. O tal som. Ou nos casos dos que ouvem sistemas e não música, o tal sistema! 

As várias experiências que tenho vivido. E eu nem me posso queixar, pois tenho tido acesso a alguma variedade de equipamentos, de sistemas, e por isso de diferentes sonoridades, levam-me num caminho, o meu caminho. E são estas experiências que nos moldam o “caminho”. As que nos mexem por dentro. Esta foi uma delas.

Tenho vindo a repetir-me, eu também, vezes sem conta, não é o sistema que conta, nem é o preço. É a música, e a forma como ela nos toca, nos move.