Cornetas, válvulas, e a pronuncia do Norte.
Num texto que escrevi anteriormente, também a propósito de uma Session da Ultimate Audio, em que transcrevi Miguel Esteves Cardoso, e em que se lia: “Os nortenhos são honestos, sinceros, directos, bem-humorados e generosos. Não se importam de ser desconcertantes. Dizem o que lhes vai na alma e incitam-nos a fazer como eles, a sermos livres.
Vai-se ao Norte e vem-se de lá com a alma lavada e os olhos a brilhar de tanta coisa bonita que lá têm.”
As colunas de corneta normalmente têm um som que de certa forma pode ser interpretado como MEC nos descreveu os nortenhos:
“honestos, sinceros, directos, bem-humorados, generosos e desconcertantes”. Aqui ficou apenas a faltar um adjetivo: a vivacidade própria desta tecnologia, e que ainda vai havendo também cá para cima. Mas neste caso, no caso destas Avantgarde, acrescentaria a tudo isto, também o requinte. Sim, o requinte, que também no Norte, nem sempre anda lado-a-lado com a forma como MEC nos descreveu, os nortenhos.
Este requinte, o destas colunas, suspeito que possa ter sido devido em parte pelo casamento com o integrado Kondo Overture, aqui presente. Tal como o sistema que pudemos ouvir no evento organizado pela mesma Ultimate audio no Sheraton no início deste ano, também com combinação Avantgarde e Kondo, na altura com umas Trio, armadilhadas com imponente Subwoofer, alimentadas pelo pequeno Ongaku, encheram cada molécula da sala de audição de música (ver relato aqui). Embora aqui, no passado sábado, a uma ligeiramente menor escala. E escala é a palavra que melhor descreve o som deste conjunto, mesmo a uma menor… escala.
O que é que eu ouvi?
Começando pelo auditório principal e pelas estrelas anunciadas:
- Colunas de corneta Avantgarde Duo GT G3 (em estreia)
- Amplificação integrado Kondo Overture II (com válvulas EL34)
- Servidor Taiko Extreme
- DAC Lampizator Horizon a válvulas (em estreia)
- Gira-discos J. Sikora Standard Max, braço KV12 Max, célula DS audio Grand Master e fonte de alimentação J. Sikora Reference
- Cablagem Siltech, tratamento de corrente Isotek, e terra Entreq
Uff! Que lista! Ronaldo, Messi, Haaland, etc.
Começando pelo fim.
Ou melhor, começando pelo sistema que ouvi em último lugar. Já começam a habituar-se a que não deixe o melhor para o fim, certo? Ou será que deixo? O melhor será ler, pois poderá haver surpresa pelo caminho.
Começando pelo auditório principal e pelo sistema mais superlativo, Avantgarde Duo, Kondo Overture, e companhia limitada.
Ora aí está uma experiência, Maria Bethânia em cornetas Avantgarde. Prova que também são capazes de nuance e delicadeza, em “Lágrima”. A seguir e se calhar não por acaso, “Porto Sentido” na voz de Carlos do Carmo e piano de Bernardo Sassetti. A Ultimate a querer forçar as lágrimas aos presentes. “Brothers In Arms” na versão a capella de Club for Five. O peito das vozes encheu o auditório, cada milímetro cúbico do auditório. “Habanera, de Carmen”, castanholas, impulso, capacidade de mover ar e dinâmica.
Palmas, contrabaixo, piano e trompete. “You and Me”, Wynton Marsalis e o ataque requintado das Avantgarde. A textura do trompete faz-me arrepiar. Diana Krall, ou não fosse uma sessão audiófila. E que grande o Grand Piano de Krall! A voz? Ainda maior! Faltam-me os adjetivos. Fiquei curto perante o som grandioso que ouvi nesta sala. A experiência de ouvir umas Avantgarde é sempre um evento em si
Agora com vinil, pelo prato J. Sikora. “Danny Boy” e “Merci bon Dieu” cantados por Harry Belafonte. O vinil, a partir de determinado nível, toca-nos lá no fundo, a um nível que o digital dificilmente chega, e que as palavras não fazem justiça.
Agora sim, é definitivo, e está decidido, vou começar a jogar no Euromilhões!
O “outro” sistema:
- Perlisten S5m
- Matrix Element p2 amplificador de potência classe D
- Matrix element m2 prévio com módulo de streaming e conversor
Normalmente a Ultimate joga os seus maiores trunfos na sala principal. E no passado sábado não foi diferente. Tivemos no auditório principal, um perfeito exemplo do que é o high-end áudio superlativo. Um conjunto que me fez a mim e aos presentes sonhar. Mas desta feita senti que a distância para o sistema mais humilde foi menor que o habitual, muito por culpa da surpreendente qualidade da eletrónica Matrix, que nem pestanejou perante as Perlisten, que jogam na Liga dos Campeões do som. Sim, os equipamentos de base de oferta estão de facto a tornar-se competitivos a uma velocidade estonteante. E se no auditório ao lado tínhamos um sistema que custaria dez, vinte vezes mais. Não soava vinte vezes, nem a dez vezes mais que o mini sistema Matrix com monitoras Perlisten. Casas como a Ultimate continuam-nos a presentear com exemplos do que melhor se faz no Mundo em equipamentos de reprodução de som. Também é verdade que não se ficam por aí, e têm mostrado ao comum dos mortais aquele sistema que nos permite gozar do prazer de consumir música como todos deveríamos merecer, tenhamos ou não comido a sopa toda, tenhamos ou não feito os trabalhos de casa.
“New Years Eve on the Waterfront (Live)” The Stimulators. O tweeter impressiona, e estalar é a palavra que me salta à mente! A expressividade dos agudos destas colunas é impressionante. Tanto que as cordas das guitarras deste coletivo parecem estalar, tal como as cordas de nylon da guitarra de Nils Lofgren, em “Keith Don’t Go”. O foco, com cada instrumento bem delineado no palco sonoro. e as nuances das vozes masculinas bem desenhadas no quadro sonoro. Ouvi um som aberto, com profundidade. “The Sound of Silence” versão The Ghost of Johnny Cash. Estaríamos dentro do peito do cantor?
“Suite De Casse-Noisette- Danse De La Fée Dragée, Op. 71a” de Royal Opera House Orchestra, com linearidade, transparência e dinâmica. Sensibilidade e bom senso, com este power e colunas a fazerem-me planar num sonho feito da voz de Joyce DiDonato. Apreciadores de musica clássica, pode estar aqui algo a que devam estar atentos
“Take Five” de Joe Morello, boa separação. Tweeter “docinho” com o brilho certo. “Take five” faz-me sempre bater o pé. Aqui a estrela foi a bateria, o kick, dinâmica, foco, ataque, na tonalidade e velocidade, e a brincar com o palco sonoro. Com o som a viajar de um lado para o outro, a evidenciar o caráter psicadélico desta versão. Como é que um amplificador deste valor alimenta desta forma umas monitoras deste nível?
As cornetas alemãs e os transformadores enrolados à mão por mestres japoneses fazem-nos sonhar. Mas a classe D e transístores chineses, com a precisão e pujança americana deixaram-me pensativo. Em um mundo em que vivemos maior parte de nós em pequenas caixas de betão, em que o espaço é valioso, nem todos se prestarão a colocar as colunas a um terço do comprimento da sala, com elementos vários e suas volumetrias intrusas. Serão estas duas pequenas caixinhas chinesas (pequenas em preço também, pelo menos para a forma como cantam) uma solução? Para a maioria serão de certeza. Eu continuo a sonhar com inúmeras caixas enormes, mas eu serei parte de uma cada vez menor nicho, de uma imensa minoria.
‘Pera lá!
Não vos mandei com uma conclusão?
Então peguem lá esta!:
Disse também Miguel Esteves Cardoso: “São as pessoas do Norte que nos endireitam. Quando comecei uma longa descrição do vinho que eu queria, o empregado exasperou-se: – Já está a complicar muito, porra! Fique-se com esta garrafa e não me fale mais de vinho. – Escusado será dizer que era um vinho verde magnífico, sem indicação do ano de colheita, sem a maldição da madeira e sem desvario alcoólico. Tinha 11 graus e um bocadinho de açúcar residual. Custou nove euros.”
Pois este sistema da Matrix custa, o amplificador mil e tal, e o prévio e leitor de rede três mil e tal. Que no total é pouco mais de um terço das Perlisten com o acabamento dos exemplares presentes, e tal como o empregado minhoto, também as coloca em sentido. Servindo a música sem todo o requinte de um Kondo, mas também sem a maldição e desvario consumista que o High-end por vezes pode tomar. As Perlisten soaram lindamente, como uma farta refeição minhota debaixo da sombra de uma ramada.