As Ultimate Sessions de maio tiveram no auditório principal da Ultimate Audio Elite do Porto um sistema composto por colunas Marten Mingus Quintet II, amplificação Boulder 1110 Pré e 1160 Power, Taiko Extreme Server e Switch (este uma novidade desta Session), DAC e multiplayer (SACD) T+A MP 3100 HV e deck J. Sikora Standard Max com cartucho ótico e prévio Grand Master da DS Audio. A “Limpeza” da corrente elétrica ficou a cargo do Isotek V5 Aquarius, sistema de terra Entreq Pluton e cablagem da Siltech.
Maio, Ultimate Sessions, As Aventuras do Bigodes no High-end Audio
Na sala mais pequena, normalmente dedicada ao Home-cinema, as colunas de corneta Uno SD da Avantgarde (nesta Session apenas em modo ativo), servidor/streamer k50 da Antipodes, DAC e pré-amplificador Accuphase DC1000 e Accuphase C2900.
No sistema instalado no auditório mais pequeno, tivemos colunas ativas de corneta da Avantgarde. Estas colunas podem funcionar em modo ativo ou passivo. Normalmente o que se verifica em sistemas de colunas ativas, por contingências de espaço primordialmente, temos amplificação classe D. Não nestas Avantgarde, não senhor. Aqui temos da boa classe A, sim senhor!
A sensação mais imediata, e não necessariamente uma surpresa, foi a forma como estas colunas encheram a sala de música. Cada milímetro cubico vibrava e pulsava com o timing e ataque típico das cornetas.
Já não é a primeira vez que o digo e temo começar a tornar-me repetitivo, mas na minha opinião uma das maiores dificuldades que tenho sentido em qualquer sistema, desde os quinhentos aos quinhentos mil euros, é a sua capacidade de tocar fielmente o som do piano acústico. E mesmo em alguns sistemas hiper-supra-mega-superlativos a verdade é que nunca ouvi um piano reproduzido como o ouço ao vivo. Aqui não nos poderemos queixar. O conjunto Antipodes, Accuphase e Avantgarde portou-se muito bem, aproximando-se perigosamente da experiência ao vivo, e o piano acompanhou Carlos do Carmo taco a taco, sem se mostrar intimidado pela presença da voz e carisma deste grande Senhor, infelizmente já desaparecido.
Das cordas para a madeira. Saxofone. O som do saxofone tem o tato da madeira não polida, por vezes nem amaciada. E aqui o tato do som do saxofone arranhou-me a pele como tivesse caído do topo de um ramo de um sobreiro. Lembro-me de, na minha meninice trepar aos pinheiros e ao sobreiro que tinha na bouça junto a casa dos meus pais. Quando escorregava na cortiça arranhava as pernas, mas não o suficiente para aleijar. Tal como o som do saxofone reproduzido por estas Avantgarde, tal a sensação de textura que estas colunas nos proporcionam.
Admito que também gostava de atirar sameiras com a minha fisga, e acertar nos miúdos mais velhos, para depois fugir a sete pés, E na altura, um ano ou dois de diferença podia representar tamanha diferença corporal, que podia levar uma diaba daquelas… e me valeu certa vez planar uns metros, depois de levar um chuto por trás enquanto corria a fugir de uma figura quase com o dobro do meu tamanho. O mesmo mamífero depois teve de fugir para baixo de um carro, uns anos depois quando recuperei a diferença de tamanho. Já o trompete de Miles Davis, cortou literalmente o ar denso, de massa sonora, como navalhas. Como quando cortávamos os elásticos para as fisgas.
O som destas cornetas esfrega-se na cara e ouvidos, como fetos quando brincava no mato. Mas ainda assim com alguma profundidade para este tipo de colunas.
A capacidade de transmitir com compostura os trechos complexos e intensos de música clássica, e depois desenhar delicada filigrana sonora imediatamente a seguir e sem qualquer hesitação, não deixou de me impressionar. O kick-drum bateu com o mesmo impacto seco como quando dávamos com a cabeça, os joelhos ou os cotovelos, nos paralelos de granito do chão ao cair, na brincadeira.
Há quarenta anos passava-se assim o tempo. Na rua. No mato. A correr, a trepar, a jogar à bola, com balizas sinalizadas por pedras, a parar quando passavam carros. Infelizmente nenhum dos meus três filhos poderá ter a oportunidade de viver o mesmo.
Mas agora estou a ficar careca e entradote. O meu estilo de vida sedentário, e a busca pelos pequenos prazeres da vida, fez evoluir o meu gosto. Aprecio sensações mais macias e subtis. É aqui que entra o sistema presente na Session de maio da Ultimate Audio, no Porto, ali ao pé de Serralves.
Regressei então ao auditório principal, e logo Miguel Carvalho presenteou os presentes com uma das grandes bandeiras dessa grande senhora chamada Maria Bethânia, “Lágrima”. E como todos os presentes eram adultos, homens, na casa dos entas, quarentas, cinquentas e sessentas, todos aguentaram a sua dentro do canto do olho, e engoliram em seco e em silêncio, embargados, à espera que passasse despercebido, e nenhum dos outros presentes reparasse na carga emotiva que estas colunas suecas tinham acabado de nos incutir. Fantástico. Já tive o prazer de ouvir na mesma sala outras colunas a custar mais do triplo, mas que não foram capazes de me apertar o coração da mesma forma que estas Mingus Quintet II da Marten, mas que ainda assim não são para a carteira de todos. Quem tem dinheiro consola-se…
Para os apreciadores do jargão audiófilo, tivemos tridimensionalidade em profundidade, altura e largura. O piano de “lágrima” só pode ser de cauda, tal a dimensão do som. O assobio e guitarra acústica de Livingston Taylor fez ricochete pela sala em “Isn’t she Lovely”. E que peito tinha Johnny Cash em “The sound of Silence”, do tamanho da sala! Boa separação de cada instrumento, cada um com sua textura individual, na jam party que é “St. James Infirmary Blues”, Unplugged ao vivo. De repente estávamos lá com os The Stimulators na Kunstsalon.
Volto a pôr o dedo indicador na botoneira. Nesta nossa tribo dos audiófilos, por vezes tendemos a perder o contacto com a música, na incessante procura por “aquele equipamento!”, aquele que nos fará parar de procurar. E por vezes, felizmente, vamos tropeçando naqueles que nos trazem os pés de volta a terra, fazendo-nos voar. Literalmente, existem sistemas que nos agarram pelo peito e nos levam por aí, numa viagem emocional. Este conjunto permitiu aos presentes um desses raros momentos. Para alguns felizardos, este poderá ser o tal.