Na passada semana fui duas vezes à Ultimate Audio, no Porto. A primeira, o tempo que tive, permitiu-me sentir um cheirinho. A segunda, já com sentido profissional, que não sou deste setor. Mas, acima de tudo, com vontade, vontade de ouvir a sério, os dois sistemas atualmente lá em demonstração. Cada um na sua sala, cada um com uma proposta muito própria.
Não pretendo com isto uma comparação direta. Não faria sentido. O que procurei foi identidade, em contexto de demonstração. E, sobretudo, perceber até que ponto cada sistema é capaz de transportar emoção. Emoção sem maquilhagem.
A seleção musical esteve a meu cargo. Levei faixas que conheço de olhos fechados. O tempo de audição foi suficiente para criar intimidade. E isso muda tudo.
Isto não é uma review. Não podia ser. Não foi feita em contexto de vivência continuada, na minha sala, com os meus equipamentos, que conheço de dentro para fora. São, ainda assim, impressões conscientes, contextualizadas e honestas. Ambas as salas conheço-as bem, fruto de dezenas de audições ao longo dos últimos anos.

SALA 1 — Revival Atalante 7 Évo + Accuphase E-4000 + Aurender A-1000

Há uma sensação inicial difícil de explicar sem parecer contraditório: conforto e surpresa ao mesmo tempo. Familiaridade sim, mas claramente num patamar acima.
Em casa convivo diariamente com um sistema que partilha ADN com este: Atalante 3 com Accuphase E-280, alimentado por um DAC valvulado Fezz Equinox. O que encontrei nesta sala foi esse mesmo espírito elevado a outra escala.
Mais extensão nos agudos. Mais profundidade de palco. Mais escala física. Mais “carne no assador”, sem perder agilidade nem elegância.
A sala, maior e mais profunda do que a sala 2 onde ouvi este sistema há semanas, permite finalmente às Atalante 7 Évo respirar. E quando respiram, mostram exatamente aquilo que prometem no papel.

Os graves surgem com o mesmo impacto, corpo e controlo. E surpreendem pela velocidade, para cones destas dimensões. Nada em excesso, nada de impressionar por força bruta. Há organicidade, mas sem coloração distinguível.
Os médios são para mim o coração deste sistema. Vozes com textura, presença e humanidade. Os agudos estendem-se com mais ar e pormenor do que no meu sistema doméstico, revelando microinformação que desconhecia em músicas que pensava conhecer, sem arestas aguçadas ou qualquer agressividade.
O palco tem altura e largura, mas sobretudo profundidade e estabilidade. A sala fica cheia. Não de som, mas de música.
A dinâmica, micro e macro, é tratada com a autoridade serena do Accuphase. Energia sem tensão, controlo sem rigidez. Para mim, isto é o som Accuphase.
Algumas escutas marcantes:

Tom Jones, 24 Hours: voz com peito, textura crua, escala emocional intacta.
Ali Farka Touré & Ry Cooder, Ai Du: a assinatura familiar, mas com mais ar, mais profundidade, mais carne.
Arooj Aftab, Baghon Main: a cítara de Anoushka Shankar sabe a gengibre; a voz de Arooj, a canela.
Dominique Fils-Aimé, Birds: palco tridimensional, definição exemplar, extensão total.
Tom Waits, Blue Valentines: ouvi a respiração. Quase senti o bafo de Waits. Intimidade absoluta.
Maria Bethânia, Canto de Oxum: ataque de percussão surpreendente; a humanidade de Bethânia intacta.
Camané & Mário Laginha, Com Que Voz: piano com ataque e corpo; voz centrada na origem mas, ao mesmo tempo, a projetar para toda a sala.
Fanfare for the Common Man: escala orquestral, impacto controlado, decay exemplar, mapeamento tridimensional da orquestra, detalhes antes despercebidos.
O que ficou desta sala:

As Atalante 7 Évo são, tal como já tinha ouvido nas 5, um salto real face às Atalante 3. O Accuphase E-4000 impõe uma autoridade serena que amplifica a emoção contida.
Senti falta do conversor integrado no Accuphase DP-450, que tinha ouvido na audição anterior, na sala de menores dimensões. Com ele, este sistema estaria perigosamente perto da nota máxima.
SALA 2 — Diptyque DP 85 + Axxess Forté 3 + SVS SB-3000

Aqui, o enquadramento muda. E muda profundamente.
Este sistema entrega análise, sim. Mas entrega sobretudo música, e a um nível emocional, absolutamente visceral.
A ideia que atravessou ambas as sessões foi simples e cristalina: deixar cair as defesas. Deixar a música fazer aquilo para que foi criada.
As Diptyque DP 85 têm uma capacidade pouco comum: transportam o contexto emocional da música até ao ouvinte sem filtros, sem anestesia. O som não sai das colunas. Ocupa a sala. Por vezes parece vir de trás, de todos os lados. É tridimensional. Envolvente. Quase esotérico.
A precisão é absoluta, como só os painéis sabem fazer. Mas nunca clínica. Estas colunas não perdoam más gravações. Contudo a música está sempre lá… passa. E passa inteira, com impacto emocional.
Algumas escutas marcantes:

Sade, Smooth Operator: a voz embalou-me. Literalmente.
Melanie De Biasio, With All My Love: um baque no peito. Uma voz que dói.
Dead Can Dance, Yulunga: experiência tridimensional, espiritual. É isto o esoterismo.
Bertrand Renaudin, Marais maison: velocidade, detalhe, timbre natural. Magia pura.
Colter Wall, Manitoba Man: o peso da terra na voz.
Buika, Volver, Volver: rasgo emocional absoluto.
Gaspar Varela, Mudar de Vida: porque se chama ao sax instrumento de sopro.
Carlos Paredes, Mudar de Vida: portugalidade. Aguam-se-me os olhos.
Plácido Domingo, Vesti la giubba: emoção crua. Um homem deste tamanho nestas figuras.
Mariza, Ó Gente da Minha Terra: eu e Mariza, gémeos siameses, ligados pelo coração e portugalidade.
Abrunhosa & Camané, Para os Braços da Minha Mãe: o conceito da sala ganha sentido. Música como catarse. As coisas vêm ao de cima. Sinto-me a fugir para os braços da minha mãe
O que ficou desta sala:

Este sistema não é para todos. É para quem não tem medo de sentir.
Não é neutro no sentido tradicional. É honesto. É cru. É humano, de forma visceral!
Se gostam de música – não de som, mas de música – e sentem necessidade de libertar o que está guardado bem lá no fundo, não tenham vergonha, vão à Ultimate Audio, no Porto, ali ao pé de Serralves.
Entrem. Sentem-se. Ouçam.
E deitem cá para fora.

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