Ultimate Sessions abril 2024, Porto
A pandemia trouxe um interesse reforçado ao mundo da alta fidelidade. Nessa altura, enclausurados em casa, alguns de nós voltamos a olhar para a música e para os equipamentos de reprodução de novo. Equipamentos que, em alguns casos, estavam guardados ou até esquecidos. Atrás desse interesse aumentado de forma exponencial, veio a oferta de opiniões, das quais me podem acusar de ser um exemplo tardio. Estejam à vontade.
As “bíblias” do som, como a “Stereophile” ou “The Absolute Sound”, deixaram de gozar do exclusivo da influência sobre os audiófilos, e a World Wide Web passou a servir de plataforma para dezenas de novos nomes. Era mais difícil ouvir antes de comprar. Assim, a opinião de quem tinha acesso a alguns equipamentos ganhou importância. Os fabricantes, sempre atentos, rapidamente aprenderam esta nova realidade. Veja-se o exemplo do fenómeno de vendas Eversolo, que beneficiou de uma onda de análises favoráveis no YouTube (ver frente a frente do Master Edition com o streamer topo de gama da Denon, pela minha perspetiva, em breve por aqui).
Outro exemplo de um lugar comum criado por uma onda de análises que invadiram a web, onde praticamente todos os revisores que vagamente me recordo de assistir se foram repetindo, é sobre o som Rock’n Roll da linha Heritage da Klipsch. Eu fui um dos que caiu nessa armadilha, e apesar de até o passado sábado nunca ter ouvido nenhuma, a verdade é que era esse o som que esperava encontrar nesta sessão. Curioso? O melhor será ler até o fim!
Sala Luxman + Bowers & Wilkins
As Ultimate Sessions no Porto costumam servir um menu de degustação de dois pratos, normalmente cada um demonstrando um conceito completamente diferente. E se no auditório principal da loja do Porto tivemos a estrela da “companhia” Heritage da Klipsch, juntas com o integrado a válvulas da Tektron (Ver relato da Sessão de março de ’23, com o integrado Tektron Neptune, aqui combinado com as colunas Full Range, Cube Audio Nenuphar Mini), no auditório secundário a Ultimate Audio apresentou a grande novidade da Luxman, o NT-07, o seu primeiro Streamer dedicado, em conjunto com o prévio C-10X, o leitor de SACD D-07X, aqui a cumprir as funções de conversor, e o amplificador de potência M-10X, a alimentar as B&W 804 D4, complementadas por Subs Perlisten. O tratamento de corrente esteve a cargo do Isotek Aquarius V5.
A mim pareceu-me a confirmação de um som da marca, que já tinha ouvido na Session de junho’23, com o integrado L-507Z. As doses certas de vivacidade, e ao mesmo tempo de contenção e refinamento tipicamente japoneses, aos quais as B&W acrescentaram um caráter físico.
O que se ouviu por aqui?
– “Wish You Were Here”, de Seguridad Social, onde os graves me pareceram ter um certo toque aveludado, mas ao mesmo tempo com o tal caráter físico, como a condução de um desportivo japonês old-school de tração traseira.
– “Perfect Darkness, Live from Union Chapel, London”, de Fink, com tweeter acutilante, mas refinado e sem sibilância.
– “Voodoo”, de Sonny Memorial Quartet Clark, Ray Drummond, Wayne Horvitz, Bobby Previte & John Zorn, com o sax a soar “amadeirado”, como deve ser. Também gostei dos transientes na bateria.
– Delicioso o detalhe de pura filigrana da voz de Bobby McFerrin, e a escala que esta faixa toma em “Minuet from String Quintet No.1 in E Major, Op. 13 No. 5, G. 275”.
Sala La Scala + Tektron + Torqueo + Innuos + Cinnamon
Os destaques por aqui foram vários. Começando pelo integrado da velha guarda, de tríodos duplos Single Ended, a válvulas de potência New Old Stock 300B, sem placa impressa, com todas as ligações por cabos, soldados ponto a ponto à mão, da italiana Tektron. Passando pela presença já habitual do streamer topo de gama da portuguesa Innuos, desta vez acompanhada a representar as cores nacionais, pelo DAC Galle da Cinnamon Audio, que despertou a curiosidade dos presentes pela sua peculiar construção. Presença também para mais uma obra de arte da Torqueo (que por acaso também reproduz discos de vinil) o T-35, com célula ótica DS Audio W3. O tratamento de corrente e de rede esteve ao cuidado da Keces e Silent Angel, respetivamente, e a cablagem QSA Lanedri Ultimatum e Serie Gamma.
Não me esqueci das Klipsch La Scala! Apenas as deixei para o fim, pois carregam todo um peso iconográfico no mundo da alta fidelidade. Não vos irei maçar aqui com a história destas colunas, mas ao mesmo tempo, desafio os curiosos a pesquisá-la, pois vale a pena.
Volto ao início e à expectativa que tinha, por nunca as ter ouvido até este passado sábado, mas já tanto ter ouvido falar delas. “As colunas que supostamente melhor traduzem o ambiente e o som vivaz característico dos concertos de Rock’n Roll”. Dinâmicas? Sim. Rápidas? Sim. Com escala digna de um concerto Rock num estádio? Sim. Mas também dignas de uma orquestra sinfónica. Colunas Rock’n Roll? Também, mas não só. Aliás, estão muito longe de estarem presas a um determinado som. Muito menos a um som “Rock’n Roll”. O foco, aqui, bem poderia chamar-se de luz da ribalta, tal é a forma como a imagem estéreo fica “bloqueada” sentado no sweet spot. Palco largo e profundo, com as notas musicais a viajar a três dimensões pelo espaço do auditório, foi o que se ouviu na Ultimate Audio no Porto no passado sábado. E horas seguidas de audição sem qualquer sinal de fadiga, o que é algo muito raro em eventos audiófilos, com as suas habituais descargas massivas de decibéis.
E aqui, o que se ouviu?
– “California Dreamin’ (feat. Alan Barnes, John Day, Martin Litton, Nils Solberg & Rod Brown)”, de Clare Teal. A profundidade da voz de Teal. Surpresa! Estava à espera de uma agressividade que afinal não estava lá. Voz suave, adocicada e aveludada. La Scala com refinamento, uma grande surpresa perante as minhas expectativas.
– “The Sound of Silence”, de The Ghost of Johnny Cash. Tudo muito orgânico, físico, com escala. Como em “Raleigh and Spencer”, de Tony Furtado. E que bem que lhe assentaram as La Scala!
– “Taquito Militar”, de La Segunda. Os pés ganham vida própria e dou por eles a abanarem ao ritmo da flauta, com a dinâmica incutida pelo conjunto de equipamentos.
– “You and Me”, de Wynton Marsalis. O ataque das cornetas!
– “The 4 Seasons”, Violin Concerto In G Minor, Op. 8, No. 2, RV 315, “L’estate” (Summer): I. Allegro Non Molto de Sonatori de la Gioiosa Marca & Giuliano Carmignola. Filigrana! Quem disse que estas colunas só tocam rock? Dinâmica, sem nunca perder a compostura.
– “Time After Time (Live)”, de Miles Davis. O trompete, como devia soar sempre.
– “Queen Mary”, de Francine Thirteen. Velocidade e dinâmica. Analisa passagens complexas sem perder a noção de musicalidade. Com boa separação de canais.
E muitas, muitas mais.
A certa altura, já só lá estava pela música, já me tinha esquecido do meu papel analítico e de relator. Poderia gabar de melhor forma um set de equipamento de reprodução musical que fez o favor de sair do caminho, entre mim e a música?