Read the Ultimate Sessions 7th Anniversary Porto report in English
A chuva que caía sobre o Porto, no passado sábado, parecia testar a vontade de ouvir boa música, da forma como merece ser ouvida. Nem o tempo adverso, nem a escassez de estacionamento dissuadiram quem reconhece o valor da experiência. No 7.º aniversário da Ultimate Audio Porto, a meteorologia foi apenas banda sonora de fundo: o verdadeiro clima foi humano.

Ali, entre máquinas e música, e as emoções que ambas despertam, percebeu-se que o high-end português é mais do que um nicho; é uma cultura que resiste, mesmo desafiando o merecido descanso num fim de semana chuvoso.
Uma comunidade que cresce com o som
A Ultimate Audio é, há 15 anos precisamente, uma das grandes referências nacionais na divulgação da alta-fidelidade. As suas audições no Porto tornaram-se ponto de encontro de uma comunidade que cresce à volta da música, e do prazer de a ouvir como deve ser ouvida.
Nestas Sessions Aniversário estiveram presentes rostos familiares de tantos outros eventos da casa, reencontros de quem já faz parte desta comunidade. E também os que, desta vez, atravessaram a porta pela primeira vez, curiosos por descobrir um lugar onde se aprende a ouvir música na sua forma mais nobre: com equipamentos de Alta-Fidelidade, e nas suas lojas especializadas. De preferência, depois de a ouvir ao vivo.

Como é hábito, o programa dividiu-se em dois conceitos distintos. Na sala normalmente dedicada às demonstrações de sistemas home audio, apresentou-se um conjunto mais contido, mas que não deixou os créditos por mãos alheias — e este foi um dos mais interessantes que esta sala recebeu desde que me dedico a relatar o que por Portugal se ouve e vê em alta-fidelidade.
Já a sala principal, de maior volumetria e acusticamente tratada para sistemas stereo, teve como estrela um conjunto que voltou a demonstrar até que ponto o refinamento técnico nos permite, hoje, não apenas ouvir, mas experienciar a música.
Comecemos pela sala mais “modesta”

A combinação entre amplificação Accuphase e colunas Revival Audio não é novidade para mim: na minha própria sala militam as Atalante 3 e o integrado E-280. Aqui, porém, a escala era outra: as imponentes Atalante 7 Évo alimentadas pelo Accuphase E-5000.

As minhas Atalante 3 medem 39 × 24 × 27 cm; as 7 Évo, 82 × 45,6 × 48 cm. Para pôr em perspetiva: o par das 3 tem de volume 0,05 m³, contra 0,36 m³ das 7 Évo — sem stands.
As primeiras são monitoras de duas vias, com woofer de 7”. As 7 Évo, de três vias, mantêm o mesmo tweeter de 28 mm das Atalante 3, acrescentando um altifalante de médios de cúpula de 3” e um woofer de fibra de basalto de 15”. A assinatura sonora da linha Atalante, imersão espacial, graves potentes mas controlados e tonalidade orgânica, está toda lá, agora com uma escala e capacidade de mover ar proporcionais à sua volumetria.
A amplificação e conversão de digital para analógico estiveram a cargo da Accuphase (integrado E-5000 e leitor de CD DP-450). A marca nipónica manteve a sua assinatura: uma combinação harmoniosa entre transparência e neutralidade analítica, sem nunca abdicar da musicalidade orgânica e fluida.

O leitor de rede foi o Aurender A-1000, utilizado apenas como transporte, com a conversão assegurada pelo leitor japonês. Este mesmo leitor já passou por minha casa, e posso atestar as suas qualidades também como DAC externo. Não será por acaso que a Ultimate Audio decidiu adicioná-lo ao Aurender neste evento.
A cablagem ficou a cargo da Ansuz e da Esprit, enquanto a distribuição de corrente foi confiada à régua Isotek Polaris.
O que se ouviu nesta sala?

- School – Supertramp
Um início digno de Morricone. O silêncio cortado pela harmónica e pelos sons de um pátio escolar dá lugar a um ritmo enérgico. A bateria ganha corpo, o baixo é redondo mas sem gorduras, e o piano brilha sem se tornar metálico. Nostalgia convertida em dinâmica pura. - My Funny Valentine (feat. Sting) – Chris Botti
O trompete corta o fundo de piano, em cenário de penumbra. A voz de Sting paira sobre o palco com classe e ironia, em serenata à sua companheira, cúmplice com o trompete de Botti. - Take Five – Kenichi Tsunoda Big Band
Clássico reinventado. O ataque dos metais é firme, os graves são densos, e a separação instrumental exemplar. Ritmo, escala e precisão rítmica em harmonia e contenção.

- Mudjer d’Ilia – Princezito
Textura absolutamente orgânica, humanidade à flor da pele. A voz soa crua, o baixo e a percussão vibram com madeira e pele. Aqui, o sistema revela o chão sob a música, a vibração que vem da Terra. - Suite No. 1, BWV 1007, in G: III. Courante – János Starker
Sente-se o peso do arco nas cordas do violoncelo, o ar a vibrar nas ressonâncias da madeira. O som não é apenas timbre, é físico. - Midnight Sugar – Tsuyoshi Yamamoto Trio
Energia e suavidade em diálogo noturno. Piano cristalino, contrabaixo a pulsar natural, a bateria precisa. Que extensão de agudos! - When I Fall in Love (live) – Keith Jarrett
Cada nota é uma confissão. O sistema devolve a intimidade do artista com precisão emocional. O som é líquido, escorrendo pela sala.

- Shatranji – Haz’art Trio
Extensão e arejamento notável nos agudos. Fisicalidade no resto do espetro. Afinal para que se querem woofers de 15 polegadas? Jazz e maqam árabe em fusão deliciosa. Música e máquinas em comunhão. - What a Wonderful World – Etta Cameron, Marilyn Mazur, Nikolaj Hess & Palle Mikkelborg
Uma leitura espiritual. A voz grave de Etta é o eixo; ao redor, sopros e percussões etéreas formam uma catedral sonora. A Alta-Fidelidade torna-se transcendência. - Invocation (A Prophecy) – Richard Bona
Texturas vocais africanas e percussões cheias de escala e misticismo. O som da pele e da caixa das percussões com a textura e escala naturais. A voz de Bona flutua, xamânica, sobre tudo o resto.
Porque é que quase ignorei os adjetivos “audiófilos”? Nesta sala, não se ouviram máquinas, ouviu-se música.
Foi, sem dúvida, um dos melhores sistemas que a Ultimate Audio apresentou neste espaço. Accuphase e Revival Audio: um casamento muito feliz!

A Sala “Principal”
Depois deste primeiro ato, a cortina abriu-se para o palco maior: o auditório principal. Com o dobro da volumetria, esta sala foi inteiramente dominada por um sistema que parecia responder a qualquer desafio sem esforço.

As Kroma Atelier Jovita, com caixas em Krion, com um woofer de 8″ e dois médios Purifi de 6,5”, e tweeters AMT Mundorf, foram alimentadas pelos monoblocos Orpheus H Three M800 Opus II e pré-amplificação H Two 33BD Opus II da mesma marca, oferecendo até 800 W a 4 Ohms por canal.

No analógico, deck Innovation com braço Unity de 10”, andar de phono Statement, tudo da Clearaudio, e cartucho Ikeda Akiko.
No digital, Taiko Extreme, DAC Nadac D e clock Nadac C da Master Fidelity.
Cabos de coluna e interconnects Siltech Master Crown e Royal Crown, corrente Turnbull e Isotek V5 Sigma.
O que se ouviu na Sala Principal
- Matilda (Live) – Harry Belafonte (vinil)
Uma performance das máquinas que nos coloca dentro do palco. Uma performance de Belafonte de outro mundo. Que animal de palco! Que presença, que Ikeda Akiko! - The Pink Panther Theme – Henry Mancini
Clássico absoluto! Contrabaixo e sax a desfilarem com humor e precisão felina, os sopros surgem acutilantes, e o groove instala-se. O ar respira entre os metais, o sax e as cordas. É espacialidade cinemática. É swing com classe. - O Helga natt (Cantique de Noël) – Marianne Mellnäs, Alf Linder, Oscar’s Motet Choir & Torsten Nilsson
O órgão enche a sala como uma onda pressurizada. O coro ergue-se litúrgico. O grave tem corpo e alma, e transforma o auditório numa catedral sueca. - Queen Mary – Francine Thirteen
Ataque, dinâmica e profundidade. Graves musculados, secos e controlados. Todos os átomos da sala energizados por música. Força e finesse num só gesto. Um momento de pós-millennium tension.
- The Heroic Weather-Conditions of the Universe – Alexandre Desplat
O momento Tubular Bells de Desplat. Obrigatório em todas as demonstrações de alta-fidelidade.
- My Funny Valentine (feat. Sting) [Live] – Chris Botti
As mesmas sensações da sala anterior, mas vividas na primeira fila, entre os intérpretes e o público, ao lado da companheira de Sting. - Alternate One – Clark Terry, Dizzy Gillespie, Freddie Hubbard & Oscar Peterson
Trompete incisivo, swing contagiante. As colunas desaparecem, e o que fica é a banda, em pura celebração musical. - St. James Infirmary Blues – Triad
Atmosfera densa, cheiros imaginários a fumo de Gauloises e Ricard no copo. Podia ser um bar decadente em Marselha no virar para o século XX, ou Berlim nos loucos anos 1920. Quem sabe? A voz lamenta-se, o acordeão melancólico sustenta um grave que é um lamento subterrâneo. O sistema traduz este guião com fidelidade brutal. - Outro filme, este protagonizado pelo comboio a vapor de Hugh Masekela: Stimela (The Coal Train) [Live]
O comboio atravessa a sala. O crescendo da bateria é pura energia ancestral. Sentem-se os cheiros, humidades e calor. Música que é história viva.
Podia encerrar este relato com Chuva, de Mariza,
mas encerro-o com chave de ouro e Ó Gente da Minha Terra (ao vivo em Lisboa), também de Mariza; A voz da fadista, carregada de emoção, de alma portuguesa. O sistema transmite cada respiração, cada palma, cada tremor. A sala inteira parece-se embargar. A guitarra segura as pontas da interpretação quando a voz da fadista se embarga, e brilha sobre a Orquestra Sinfonieta de Lisboa. As Kroma e os Orpheus transportam-nos para o mesmo dia, junto à Torre de Belém. Mariza emociona-se, a sala emociona-se, e ninguém quer ser o primeiro a falar. Um fecho perfeito.

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