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Uma Viagem de 360º Pelo Som. 1ª Parte: O Aperitivo e o Prato Principal, Duevel Planets e Enterprise

Read the Duevel Planets and Enterprise review in English

Uma Viagem de 360º Pelo Som

Parte I — O Aperitivo e o Prato Principal

Duevel Planets e Enterprise

Há viagens que começam sem mapa.
Um dia damos por nós a ouvir, e já não é música, é espaço.

Quando instalei as primeiras colunas Duevel em casa, percebi que estava perante algo muito diferente do que conhecia. Foi o primeiro passo de uma aventura, uma viagem em que a música deixou de ser algo que eu controlava para se tornar algo que me envolvia por completo.

Só me consigo lembrar de um outro sistema que me tenha cativado da mesma forma: pela maneira como a música soava orgânica, materializada, viva. E tudo isto sem ultrapassar os cinco dígitos em valor.
Esse sistema era simples: colunas full range, amplificação single-ended classe A, um leitor de SACD e um servidor. Nada de esotérico.

Este é o primeiro de dois capítulos de uma viagem pelo som omnidirecional. Um conceito que transforma a escuta em experiência espacial. Durante praticamente um ano, três modelos de colunas Duevel passaram pela minha casa, graças ao apoio de um amigo e da SoundIt, representante ibérica da marca. O que começou por curiosidade, tornou-se descoberta.

O Som Omnidirecional

Ouvir música com colunas omnidirecionais não é apenas ouvir música, é permitir que cada nota, cada som, cada efeito se instale no espaço. Esta arquitetura tem precisamente este efeito: transforma a sala numa esfera sonora onde cada detalhe ganha presença. Tanto faz estar sentado no sweet spot, encostado a uma parede ou a fazer o pino (ainda por testar).

A minha jornada com a Duevel começou com as Planets, que Markus Duevel apelida, na sua língua nativa, de Appetizer: aperitivo. Entre as primeiras audições caseiras, a visita à SoundIt, em Leiria (já tinha avisado que vou onde estiver a Alta-Fidelidade em Portugal), e as partilhas com um amigo dono de um par de Bella Lunas, fui construindo uma compreensão sensorial do que é ouvir música através de colunas omnidirecionais.
Fez-se jus às palavras de Fernando Pessoa: primeiro estranha-se, depois entranha-se.

Este texto é a crónica desta viagem, com partida nas Planets, passando pelas Enterprise, até às fantásticas Bella Luna, com uma paragem nas Sirius, o topo de gama da marca.

A Duevel representa mais do que uma arquitetura diferente de colunas. Enquanto a maioria persegue o eixo direcional perfeito, Markus Duevel abraça a dispersão como linguagem. O som deixa de ser triângulo e torna-se esfera. O foco cede lugar à imersão. O espaço, antes cenário, torna-se parte do instrumento.
O que esta marca faz é desafiar o paradigma da escuta moderna, envolvendo o ouvinte.

Duevel Planets — O Aperitivo

Num primeiro olhar, as Planets revelam uma simplicidade elegante: paralelepípedos com 84 cm de altura e 11 kg, linhas limpas e duas esferas metálicas suspensas, estrategicamente colocadas acima dos dois altifalantes que disparam para cima. O olhar estranha inicialmente, mas a presença é discreta e sólida. Perfeitas para quem não quer que o equipamento se imponha ao ambiente.

A verdadeira identidade revela-se quando a música começa. Liguei-as ao amplificador residente, o Accuphase E-280, ao TEAC AP-701 que passou por cá para review, e ao Pier Audio MS-480SE que voltou para melhor contextualização do posicionamento de preços: e sempre mostraram uma espacialidade que, embora esperada, surpreendeu pela imediata imersão. Cada instrumento se posiciona com naturalidade, construindo uma esfera sonora que inundou a minha sala.
Testei também com o Marantz M1, que se revelou pouco incisivo com estas colunas.

O Carácter das Planets

As Planets são o ADN conceptual da Duevel em estado cru: o som respira em todas as direções. O resultado não é uma imagem estereofónica clássica, mas um campo em que o ouvinte abdica do controlo e aceita o espaço como parte da interpretação.
Poderão não agradar ao analista, mas potencialmente ao amante de música.
Desde a música mais popularucha até ao maior refinamento, tudo parte em pé de igualdade. O fator diferenciador aqui é o gosto musical, não a qualidade da gravação.

As Planets existem para ouvir música (desde que haja amplificador com poder capaz de as domar). As percussões têm ataque realista; os médios ganham corpo, especialmente nas vozes femininas; os agudos, rápidos e arejados, lembram cornetas, mas sem a fadiga característica.

A Engenharia por Trás da Magia

O segredo está na deflexão controlada pelas esferas metálicas: o som dispara verticalmente, reflete-se e expande-se como ondas num lago. É essa arquitetura que permite que cada nota se instale no ar, em vez de ser projetada para o ouvinte.

A sinergia com a amplificação é crucial. As Planets pedem músculo e controlo: pedal a fundo no botão de volume. Amplificadores transparentes e precisos permitem-lhes mostrar todo o potencial. Com o Accuphase, o resultado foi detalhe natural e honesto: texturas, respirações, tudo integrado e materializado, apenas a pedir um fio mais de coesão (diz o meu lado picuinhas).
Os woofers pareceram menos ágeis que os tweeters. Os tweeters, quanto a mim, o ponto forte destas colunas. A arquitetura híbrida do Pier Audio acrescentou-lhes o perfume das válvulas: doçura e liquidez na dose certa.
E já agora, o preço também combinou: € 1 300, como o integrado francês, mais transporte e personalização.

Prós e Contras

Prós:

Ideais para quem valoriza liberdade na posição de audição. São mais do que um modelo de entrada, são uma promessa do que a arquitetura omnidirecional pode oferecer. Naturalidade no timbre, agilidade nas percussões e um charme especial nas vozes femininas.


Contras:

Não são colunas para todos. Ouvidos habituados à estereofonia direcional podem estranhar. Precisam de amplificador musculado. O Marantz M1 mostrou-se insuficiente; o Pier Audio e o Accuphase estiveram à altura, embora quem compre um Accuphase possa querer colunas mais à escala do amplificador japonês.

Conclusão

As Duevel Planets destacam-se pelo palco amplo e tridimensional, capaz de envolver o ouvinte sem o prender a um ponto fixo. O som é relativamente natural, quente e indulgente. Ideal para percussões, gravações acústicas e vozes femininas com timbre sedutor. Compactas e disponíveis em várias cores, poderão integrar-se facilmente em qualquer ambiente, oferecendo excelente relação qualidade-preço e grande facilidade de colocação (melhor em base dura, devido aos pórticos que disparam para baixo).
Uma boa combinação foi o MS-480SE. Com o Accuphase, o resultado foi ainda mais feliz, mas são de ligas diferentes.
Ouvidos educados por colunas direcionais poderão estranhar o foco menos preciso e o ligeirissimo véu entre a música e o ouvinte, resultante de ouvidos habituados às colunas direcionais, mas o encanto está precisamente aí: em serem diferentes.
No conjunto, uma proposta cativante para quem quer entrar no universo da escuta omnidirecional.

Enterprise — O Prato Principal

Num primeiro olhar, as Enterprise parecem o irmão maior das Planets: em que as esferas dão lugar a um peão no tweeter, e a um anel no woofer, que passa de fibra com 150 mm para papel e 170 mm. No tweeter, surge a corneta, como nos modelos de topo da marca.

Duevel Enterprise

No som, as Enterprise são outro animal. Mais adultas, exigentes, atentas. Apreciam potência generosa, mas atingem uma escala e controlo largamente superiores, lidando melhor com as distorções que a sede de potência pode trazer.

Evolução Sonora

Duevel Enterprise

Tudo o que as Planets oferecem, as Enterprise oferecem mais e melhor. Corrigem largamente a reserva das irmãs pequenas nos médios-graves em baixos volumes, mantendo o voodoo omnidirecional, com mais ataque e decay.
O woofer de papel, em vez de fibra, ajuda na coerência temporal.
A satisfação de ouvir baterias e percussões é total. Agora sim, estamos no mesmo comprimento de onda. O músculo das Enterprise é notável. E quando o volume sobe, preparem-se para abanar o prédio.

Prós e Contras

Prós:

Tudo o que as Planets têm, multiplicado. Com mais coerência e mais músculo.


Contras:

A arquitetura omnidirecional per si ainda apresenta pequenas desvantagens na coerência. Um design omnidirecional point source ofereceria uma precisão ainda maior, algo alcançado nas Bella Luna e Sirius. Talvez o próximo degrau na linha, as Galaxy, com quem compartilham um chassis semelhante, mas com concepção point source, possa resolver as minhas dúvidas existenciais. As Enterprise são uma excelente escolha, mas, tendo convivido com as Bella Luna, sei como a história continua.


Preço: € 2 400 + transporte e personalização.

Conclusão

Duevel Enterprise

As Duevel Enterprise destacam-se pelo som dinâmico, detalhado e equilibrado, com graves redondos e bem integrados, resultado do design que promove dispersão.
Elegantes e discretas, fundem-se no espaço físico e no palco sonoro, criando uma experiência envolvente sem dominar o ambiente.
A sua eficiência é trunfo adicional: não exigem amplificação hercúlea, embora ganhem autoridade com corrente abundante.
O posicionamento é flexível; a resposta em graves permite-as próximas de paredes sem perda de controlo, e também preferem bases sólidas.
Representam um investimento superior às irmãs, mas o salto pode compensar em maturidade sonora. A sua vivacidade e carácter crisp poderão não agradar a todos, é recomendável uma escuta prévia.

No conjunto, são uma proposta sólida e refinada: ampla dispersão, estética minimalista e performance equilibrada.
A partir daqui, a Duevel mostra que o conceito omnidirecional pode coexistir com rigor e escala. Já não é apenas experiência, é consistência.

A Visita à SoundIt

A SoundIt é o único agente oficial da Duevel na Península Ibérica e fica em Leiria. Foi em janeiro que peregrinei até lá para conhecer o espaço e Kai Schlösser, o homem à frente do projeto.
Audições em salas desconhecidas não são o ideal para conclusões definitivas, mas a experiência valeu por si. Pude ouvir as topos de gama Sirius e comparar, em condições semelhantes, os quatro modelos disponíveis da marca.
A fonte foi um prato Kuzma Stabi R, braço Ref 313, célula Sumiko Virtuoso DTI, amplificação valvulada Lyric e, claro, na voz, as criações de Markus Duevel.

As Sirius — No Topo da Filosofia

Ouvir as Sirius e as Bella Luna, colunas point source, reforçou o impacto que as segundas já me tinham deixado na primeira audição: uma experiência de sala de concerto, onde o espaço deixa de ser sala e se torna cúpula sonora.
As Sirius pedem à carteira cerca de € 27 000/par (ou € 45 000 com tweeter de berílio).
Ao vivo, revelam o culminar da filosofia de Markus Duevel: geometria point source e alinhamento temporal absoluto. A tradução pura do ideal da marca: a ilusão total de um espaço sonoro suspenso.

Durante a audição, percorremos temas-teste: Stimela (The Coal Train) de Hugh Masekela revelou palco fantástico e foco exemplar; Speechless, de Laurie Anderson mostrou o prazer da corrente abundante e da espacialidade mágica.
Cada faixa confirmou o mesmo: as Sirius não reproduzem música, criam um universo sonoro.

O Que Vem a Seguir

As Planets mostraram-me o espaço. As Enterprise, o poder. As Sirius, o Olimpo.
Mas o destino ainda me guardava outra experiência: as Bella Luna.

Um amigo, a reformar a sua sala de audição, ofereceu-me a possibilidade de testar o seu sistema (Duevel Bella Luna + Lyric Ti 100 MkII + Denafrips Pontus 15th Anniversary Edition) durante uns dias. A minha resposta foi imediata: “Sim, claro!”

Primeiro liguei o Lyric. A diferença foi imediata e palpável.
E depois, as Bella Luna.

Duevel Bella Luna

Na próxima e última parte de Uma Viagem de 360º Pelo Som: a magia das Duevel Bella Luna: quando o som desaparece e só fica a música.

Continua na Parte II.

As Duevel Planets e Enterprise usadas nesta review foram geltilmente cedidas pela SoundIt

3 comentários em “Uma Viagem de 360º Pelo Som. 1ª Parte: O Aperitivo e o Prato Principal, Duevel Planets e Enterprise”

  1. Pingback: A 360º Journey Through Sound, Part I — The Appetiser and the Main Course, Duevel Planets and Enterprise - MoustachesToys | High-End Audio Reviews & Experiences

  2. Na última foto vê-se um par de colunas que parecem umas Azoric. Soam bem? Vai haver uma review? Li muita coisa boa sobre elas, mas ainda não consegui ouvir.

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