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Accuphase DP-450, uma viagem entre memórias e música

Read the Accuphase DP-450 CD Player and DAC review in English

Será este o leitor de CD definitivo para quem ainda acredita na magia do disco prateado?

Com construção irrepreensível, assinatura sónica cativante e funcionalidades modernas, o Accuphase DP-450 devolve o prazer da escuta física aos mais exigentes. Esta review não é técnica, é emocional, mas não dispensa os pormenores que realmente contam.

Accuphase DP-450 + Volumio Rivo + Primare CD35 + Accuphase E-280

Gosto de pensar que quem acompanha os meus textos não procura apenas descrições técnicas de máquinas. Não sou jornalista nem comunicador por formação livresca. Acabo por ser algo parecido, mas por contacto próximo e iniciativa, e talvez por isso me sinta mais livre e menos formatado.

O Accuphase DP-450:

Accuphase DP-450

O Accuphase DP-450 é uma máquina que junta um transporte de CDs e um DAC mais que competente  (muito mais que competente), que pode ser utilizado por outras fontes digitais externas, tudo na mesma caixa, a casar lindamente, e não só esteticamente, com o E-280, o integrado da mesma marca. Integrado que é a referência do sistema cá de casa. Estamos a falar de uma máquina que exala qualidade de construção nipónica por todos os poros. Claro que o DP-450 não tem poros. Mas tem alma, e uma construção sólida, uso silencioso, e disponibiliza uma experiência de utilização sublime.

Accuphase DP-450 + Accuphase E-280 + edição 20º aniversário TDSOTM

A gaveta abre e fecha com uma suavidade e silêncio como nenhuma máquina que por cá passou antes. O topo metálico da caixa, forrado a um material de toque suave, quase veludo, transmite um requinte que se sente antes mesmo de se ouvir. O painel, conforme o modo selecionado no comando, alterna entre o tempo decorrido, o tempo restante ou o bit rate e a largura de banda da faixa. Importante, quando usamos o DP-450 como conversor externo. Cá em casa, cumpriu essas funções com o streamer residente, o Volumio Rivo, com o televisor da sala, e com outros leitores digitais que por cá foram passando ao longo de meio ano. O peso invulgar para um leitor de CDs, 13,7 kg (20 com a caixa dupla de transporte), diz muito sobre o cuidado com a construção. E o comando? De alumínio, claro.

A assinatura sonora carnuda, não confundir com gorda, da Accuphase tem ganho adeptos por toda a gente que por cá passou e o ouviu. Este leitor de CDs esteve residente durante todo o inverno e primavera passados, e só foi devolvido porque um outro conversor, aquele que me roubou o coração há quase um ano, está prestes a chegar.

O Ano: 1996

Accuphase DP-450 + Primare CD35 + Volumio Rivo + Accuphase E-280

O meu pai tinha feito, poucos anos antes, um esforço para comprar ao seu primogénito amante de música, a prestações, uma aparelhagem Pioneer de gama média. Algo que hoje muitos não compreenderão, mas que, no contexto da época, era um luxo para a classe média-baixa em que nos inseríamos. Eu, gastava tudo o que ganhava num emprego que nenhum português “de bem” aceitaria hoje, só para comprar CDs. E beber uns copos à noite.

Foi nesse ano que aconteceu o primeiro Festival de Vilar de Mouros da era moderna. Talvez não tenha sido o festival mais impressionante, mas para mim, foi. A atuação dos Young Gods, juntamente com a dos Primitive Reason, que fez vibrar o chão mole de lavoura ao ritmo do ska. Literalmente.

Quando uma performance me tocava assim, era certo: um dos CDs a comprar nessa semana seria dessa banda. E lá fui à Tubitek, no Porto, comprar Only Heaven, o álbum que a banda tinha vindo promover ao Alto Minho. Para mais facilmente descortinar a assinatura sonora a que me fui habituando (como é fácil habituarmo-nos ao que é bom) socorri-me do leitor Primare CD35 para ir fazendo umas comparações.

Industrial Cinematográfico – Young Gods, Only Heaven

Voltar a ouvir este álbum hoje, especialmente com o DP-450, é como regressar àquele palco, à intensidade daquela noite de verão. A escola sónica da Accuphase suaviza a agressividade natural dos graves de Strangel. Há ar a ser movido pelas colunas, há presença. Mas com recorte requintado e arestas limadas. No CD35, apesar de uma ínfima maior velocidade no ataque e de um detalhe interessante (tinha sido algo que me chamou a atenção na review que lhe dediquei), o DP-450 bate-o aos pontos na forma como desmonta cada sequência de sons. A música parece funcionar como um desporto de equipa no leitor japonês. No sueco, cada nota parece querer brilhar sozinha.

Moon Revolutions, com os seus 16 minutos e 34 segundos, é uma odisseia industrial que alterna entre paisagens sombrias, desenhadas com mão pesada a lápis de carvão, e paisagens etéreas pintadas a aguarela. O CD35 pinta ambos estes quadros. O DP-450 transita entre estas camadas com uma fluidez cinematográfica. A capacidade de materializar a música é superior no japonês. Kubrick teria, com toda a certeza, aprovado esta música para sonorizar 2001: Odisseia no Espaço, se Franz Treichler já andasse a brincar com máquinas nos anos 60.

A entrevista no Museu do Fado – Emoção Portuguesa

É sabido que umas das razões que teimosos do formato CD como eu, o defendem, é porque volta e meia lá vão descobrindo que algumas edições ou faixas não estão disponíveis nos serviços de streaming, ou simplesmente de lá desaparecem sem pré-aviso.

Janeiro de 2020, imediatamente antes de o mundo parar para a pandemia de COVID-19. Na atividade que exerço das 9 às 6h, de segunda a sexta-feira, tivemos a oportunidade de visitar o Museu do Fado e entrevistar a sua Diretora, Sara Pereira.

No fim da entrevista, a diretora oferecer-nos amavelmente 4 CDs editados pelo museu. Um deles tem-me feito companhia regular desde então. Gaspar, de Gaspar Varela, virtuoso da guitarra portuguesa e bisneto da irmã de Amália, Celeste Rodrigues.

Na faixa 2 deste disco, Mudar de Vida, original de Carlos Paredes, com Gaspar acompanhado pelo Saxofone de Ricardo Toscano, mostra como o DP-450 consegue colocar “toda a carne no assador”. Uma música de silêncios e de sentimentos. De guitarra portuguesa e de sax. Mais uma vez, a mesma sensação de velocidade, do estalar das cordas da guitarra no CD35, com excelente tom “amadeirado” do saxofone de Toscano. Mas o Accuphase…, bem o Accuphase pura e simplesmente me deixa prostrado nesta faixa. A música parece tomar-me as costas e a espinha. Gaspar, Ricardo e o DP-450 soam mais determinados. Mais decididos. A capa de gloss com que o CD35 veste a música é retirada, e em vez de uma montra transparente para a música que é o leitor sueco, deixamos de estar do lado de lá da montra e passamos a tocar os instrumentos, ou melhor, a música é que nos toca, bem lá no nosso âmago. Parabéns Gaspar por este grande disco. Que pena que pareças mais mencionado por teres aparecido a acompanhar a Madonna do que pelo teu talento. Sinais dos tempos.

Anos 90 – Beat Ancestral

A propósito de títulos que não se encontram nas plataformas de streaming. Os sons dançantes dos anos 90 e dos primeiros deste século foram marcantes para mim. All Systems Gone, de Presence, um dos alter-egos de Charles Webster, é um disco que me marcou na altura. E que quase esqueço de ouvir por não estar à distância de um clique. O punch do CD35 em Future Love impressiona. Mas no DP-450 o mesmo punch soa mais decidido, e no entanto de alguma forma mais suave. Como se a baqueta do baterista tivesse sido revestida com um tecido macio, e os meus ouvidos agradeceram. Os graves descem mais fundo, com mais textura. Há foco. O japonês desenterra microdetalhes que o sueco desconhece, especialmente nos agudos, como no falsete de Been 2 Long. Os instrumentos aparecem mais distintos, mas alinhados. Em Your Spirit, o DP-450 volta a brilhar, em total sintonia com o irmão E-280.

Que maravilha esta Lullaby de Webster. Que bom é ouvir música assim. E a voz de Shara Nelson em Sense of Danger? Sim, a mesma vocalista de Unfinished Sympathy, o hino dos Massive Attack que me lançou nestes ritmos. Aqui, as batidas tomam a dianteira, mas não roubam palco à voz de Nelson.

DJ Shadow – Turntablism Rócócó

Quem não conhece Endtroducing, o disco que apresentou DJ Shadow às massas? Um dos hinos presentes neste disco, What Does Your Soul Look Like, part 4, resultou num EP com todas as 4 faixas. E todo este disco parece uma banda sonora de um filme série Z composta sob o efeito de ácidos. Meia hora de uma trip do mestre do Turntablism (aqui por vezes em registo Rócócó). O caráter, que alguns chamam de velado do par da Accuphase leva-nos na palma da mão, à boleia das paisagens de samples e dos pratos de Joshua Paul Davis (aka DJ Shadow). A faixa 2 (part 3) e a faixa 3 (part 4), transportam-nos numa batida lânguida, não de lenta, pelas memórias de bandas sonoras de filmes e discos Soul que Davis se diverte a descobrir nas lojas de discos, e que homenageou na capa do seu mais icónico disco. O CD35 é uma máquina fabulosa, que eu adorava conviver com, mas sempre uns furos abaixo do DP-450 na forma como nos transmite a música e como permite que ela se materialize e nos atravesse.

Ainda na década do CD – Fuzz e Saudade

O caráter contido, mas ao mesmo tempo intenso de Red House Painters, o disco epónimo de 1993 da banda de Mark Kozelek é perfeitamente transmitido pelo conjunto japonês. Bubble e Helicopter, duas das faixas que me marcaram essa fase da adolescência, são vividas com saudosismo pela forma “naive” como vivemos essa época. A camada de mel de urze com que o conjunto japonês veste este disco, parece amolecer-me a espinha. Obrigado Accuphase por me fazeres voltar a sentir assim, aos 50 anos! A guitarra “fuzzy” de New Jersey não é suficiente para tornar o som “áspero”. Ouvir a versão de Star Spangled Banner, na interpretação desta banda americana, soa a hino de resistência. Especialmente hoje. Nem a distorção original da gravação é suficiente para me ferir os ouvidos.

Lámina com serrilha Nórdica – Dynamite

E por falar em discos desafiantes, Dynamite, especialmente depois do mel multiflora que foi And She Closed Her Eyes, Stina Nordenstam resolve quebrar com as expetativas de quem esperava mais um disco “jazzy” de mais uma intérprete nórdica, e grava disco afiado, feito para incomodar, não para embalar. O Accuphase? Surpreende. Não filtra. Entrega intensidade, sem ferir. Como um Takumi da música, lâmina afiada, mas com alma de artesão. Agora só falta um disco de música clássica, não?

Final com Leoncavallo

Carregado também de saberes centenários, que melhor exemplo que os italianos, tantas vezes apontados como antípodas dos japoneses? Que tal Leoncavallo? Vesti la Giubba de Pagliacci. Aqui na voz de Domingo, com a London Symphony Orchestra conduzida por Nello Santi. O sofrimento de Canio trespassa-nos, ajudando a transparência, expressividade, escala e palco gigantes transmitido pelas Revival Atalante 3, conduzidas pelo maestro DP-450.

Obrigado, Accuphase. Pela música. Pela viagem. Pela emoção.

E o conversor?

Este leitor de CDs, como todos os outros, inclui um DAC interno. O DP-450: graças às suas entradas e saídas digitais, pode ser usado como DAC externo com outras fontes digitais (como o Volumio Rivo, no meu caso). E arrisco dizer que o seu conversor envergonha muitas máquinas dedicadas exclusivamente a esta função.

Em alternativa, pode ser usado apenas como transporte, ligado a um DAC externo. Mas esse DAC terá de ser de nível muito, muito elevado para justificar o upgrade.

Está na altura de sacar uma conclusão!

Até porque este texto já vai longo. Gabo-te, leitor, por ainda estares por cá, nestes tempos de atenção limitada e paciência ainda mais curta. O Accuphase DP-450 não é só uma máquina para os nostálgicos do CD, é uma afirmação de que o formato físico ainda pode emocionar, encantar e surpreender. Construído como um relógio suíço, mas com alma de artesão japonês, este leitor é feito para quem ouve com o coração e exige com os ouvidos.

Accuphase DP-450

Se o teu coração bate a cada batida do CD, o DP-450 vai fazê-lo pulsar com nova intensidade, puro luxo nipónico no teu sistema.

Ouve-o. Compara-o.

Deixa-te atravessar pela música — como já não deixavas há muito tempo.

Especificações

Accuphase DP-450 painel traseiro

Nota final:

Gostaria de agradecer à Ultimate Audio, distribuidor ibérico da Accuphase, pela gentil cedência desta unidade DP-450, que esteve comigo por mais de meio ano. Durante esse tempo, a máquina foi integrada num sistema de testes onde passaram várias outras unidades, além das mencionadas no sistema residente – Benchmark Stache. A experiência de audição, assim como a comparação com outras máquinas, foi essencial para proporcionar uma visão clara da qualidade e do impacto sonoro que o DP-450 oferece. Agradeço a oportunidade de explorar o potencial desta incrível peça de engenharia japonesa.

1 comentário em “Accuphase DP-450, uma viagem entre memórias e música”

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