Quando desafiei o João Pina para ceder um equipamento que estreasse as reviews de equipamentos da Exaudio em MoustachesToys, ele sugeriu o amplificador integrado Cobra da Audio Note. Admito que tive um misto de sentimentos: desconsolo por ser um modelo de entrada da marca britânica, mas também entusiasmo, pois sempre tive curiosidade em ouvir um produto da Audio Note.
A explicação do porquê da sugestão ajudou na decisão de aceitar este desafio. Este é um integrado classe A, com válvulas de saída EL34, com 28W por canal a 8 Ohms. Apesar de ser um Audio Note, marca reconhecida pela abordagem purista ao áudio, este é um integrado que vem equipado com três entradas digitais, USB-B, coaxial e ótica (tem DAC interno integrado), e 3 pares de RCA para as fontes com saídas analógicas, e é o compromisso da Audio Note com a tendência de amplificadores valvulados flexíveis. Basta conectar as fontes, sejam digitais ou analógicas, e um par de colunas, e já está!
Que Cobra é esta?
As válvulas, são quatro EL34 na amplificação, mais um par de 6AU6s e um 5670. O Bias é automático, o que simplifica as coisas para os iniciantes, e para todos os outros. A frente chanfrada facilita a operação dos dois botões, um de seleção de fonte à esquerda e o de volume à direita. Os canhotos que me desculpem, como sempre deveria ser. O LED vermelho sinaliza a fonte escolhida. Quem tiver filhos pequenos ou animais, cuidado! O Cobra não tem grade de proteção às válvulas. As criaturinhas curiosas vão aprender da pior forma a não meterem os dedos onde não foram chamados.
Este Audio Note é um classe A, por isso contem com calor constante e um aumento da conta da eletricidade. Não dá para estrelar ovos, no entanto foi graças ao Cobra que a minha esposa conseguiu criar massa mãe para o pão caseiro…
O que acompanhou o Cobra?
Quando o Cobra chegou, ainda cá morava o Forté 1 da Axxess, integrado inteligente classe D (review aqui), e também o na altura amplificador residente na MoustachesTower, o Frankie EX, amplificador desenhado e fabricado pelo ex-colaborador de Franco Serblin, o seu sobrinho Fabio. Sim, esse Franco Serblin. (review aqui)
Por uma questão de similitude de preços com o integrado dinamarquês, foi obrigatório o frente-a-frente. Dias antes de rumar de volta à Exaudio, o Cobra ainda teve a companhia do Stereo 70s da Marantz (review em MoustachesToys dentro de dias).
Fontes utilizadas
Como fontes tivemos o gira-discos MoFi StudioDeck com célula MM StudioTracker (review aqui) e o andar de phono Rothwell Simplex do lado analógico, e os streamers Eversolo A-6 Master Edition e Denon DNP-2000NE a defenderem as honras do digital. (frente-a-frente entre estes dois leitores de rede, com o Cobra em pano de fundo aqui) Passei também algumas horas a ouvir música com o DAC interno, e com as capas de disco e letras de música com as 58 polegadas do meu televisor Hisense, mais a Apple TV. Os meus olhos com quase cinquenta anos exclamaram – Vinil, bate esta!
Ao Audio Note Cobra liguei as colunas PMC Prodigy 5, as Triangle Borea 03 e as Bowers & Wilkins 607 S3 (review em MoustachesToys em breve). Não faltaram então nem receitas, nem formas de “empratar” este Audio Note.
Como cantou o Cobra?
Este amplificador foi uma surpresa. A lógica aconselhava o uso das Borea 03, por serem colunas fáceis de alimentar. Já o Fezz Audio Silver Luna Prestige Evo (review aqui), também com dois pares de válvulas EL34 emparelhou lindamente com elas e os seus 90dB de sensibilidade nominais e 8 Ohms de impedância. Por uma questão de acreditar que no áudio são mais as exceções que confirmam a regra, do que a regra em si, decidi arriscar ligar as PMV Prodigy 5 (review aqui), apesar da sua menor sensibilidade e impedância, apesar de serem colunas de linha de transmissão, o que supostamente as torna ainda mais complicadas, mas por serem mais capazes que as colunas francesas. Casamento perfeito. Mesmo a lógica de casar pólos contrários não funcionou. Tanto as Triangle como as B&W 607 S3 têm twitters por vezes complicados na minha sala. (O caso das B&W é diferente, e a análise estará neste website nos próximos dias), e o caráter redondo e carnudo do Audio Note poderia conseguir uma boa simbiose com estas monitoras. Foi com as PMC que o casamento foi de longe mais prolífico. Pormenor, nuances, escala, palco sonoro, e não canso de me repetir, emotividade. Emotividade. Emotividade. Foram a prole desta união.
Comparando-o com o Forté 1 (estado sólido e Classe D). O amplificador dinamarquês deixou muito boa impressão a este vosso escriba. Uma interpretação muito orgânica e “carnuda”, (para um classe D. Este parênteses surgiu só após a chegada do Cobra, pela comparação direta) excelente palco e timbre, com velocidade, músculo e escala. O Cobra fez-me reconsiderar o que até aí achei de carnudo e orgânico. Sim, o Axxess tem sem dúvida tudo aquilo que lhe apontei, mas o Audio Note mostrou-se a um nível comparativamente acima.
Dead can Dance, Dulce Pontes, Amália, Carminho, Camané, Carlos do Carmo, Tom Waits, Tim e Jeff Buckley, fosse o que fosse que lhe atirasse, este Audio Note devolvia com uma carga emotiva e densa. Os sons, as notas. A música, no fundo!, assumiu um caráter palpável que não me lembro de ter ouvido por cá com nenhum outro equipamento. Eu sei que é um cliché que detesto ler ou ouvir outros utilizar, mas Lisa Gerrard e Brendan Perry, Dulce Pontes, Amália Rodrigues, Carminho, Camané, Carlos do Carmo, Tom Waits e Pai e filho Buckley, embora ambos já desaparecidos, todos estiveram literalmente, e materializados na minha sala, tal foi a massa de som, palpável, que este Cobra encaminha pelos nossos ouvidos, diretamente para o nosso âmago. Neste caso a serpente é que encantou, e não o contrário.
Um aparte
Certa vez, por incluir numa review um comentário que a minha esposa fez a um equipamento, ganhamos ambos direito ao escárnio e maldizer da internet. Até a banda desenhada tivemos direito, para nos ridicularizar. Pois este integrado merece o risco de voltar a ser alvo do riso dos torpes. A minha mãe, a minha septuagenária mãe, a minha mãe com quatro anos de escolaridade passados nos anos cinquenta do século passado. A minha mãe, a que lhe tem passado ao lado toda esta história dos brinquedos do Bigodes, gabou pela primeira vez, o som que ouviu certo dia que passou cá por casa, e pediu na sua habitual toada moldada pela austeridade de 26 anos de 24 de abril, para ouvir de novo a música que tinha acabado de tocar (da Mariza, que até nem é das suas fadistas preferidas). Coisas de mães.
“A pele que há em Mim (Quando o dia entardeceu)” de Márcia e JP Simões, tornou-se numa experiência arrebatadora, que me arrepiou os cabelos que tenho e os já não tenho, tal a forma como os dois intérpretes e a guitarra ganharam palpabilidade na minha sala. O poema “Com que Voz” de Luiz Vaz de Camões, cantado por Amália Rodrigues, ganhou um sentido orgânico, com consequente emotividade que me fez torcer por dentro.
“Exit Music (For a Film)” dos Radiohead, para aqueles que já estariam a pensar que o Cobra só me encheu as medidas com peças musicais simplistas e suportadas pela expressividade da vocalização, teve os instrumentos perfeitamente inteligíveis e separados com precisão mesmo no trecho mais complexo. Sim, este amplificador não serve só para comemorarmos a música, serve também para chamarmos os amigos lá a casa e gabarmo-nos da nossa mais recente compra, usando do jargão audiófilo que lemos nas reviews dos sites e revistas da especialidade!
Já defendi aqui que a música clássica deve ser ouvida até sangrarem os ouvidos. Romeu e Julieta, de Prokofiev, na versão com Lisa Batiashvili ao violino e a Chamber Orchestra of Europe. Picos de 75 a 80 decibéis e aí vamos nós! Confirmação. Esta faixa confirma os cheios e texturados graves de que este amplificador é capaz. Sentimos na pele que estamos a ouvir uma orchestra, com toda a escala e magnitude, com toda a densidade e riqueza, e não um quarteto ou um septeto.
Em que ficamos?
Defeitos? Esticando a corda o máximo que posso só mesmo para arranjar algo. Arrisco dizer que a Audio Note possa estar a arriscar perder clientes pelo design exterior, quando os ganha confortavelmente no que às capacidades sónicas concerne.
Por outro lado, a consistência como se comportou fosse o que fosse o que eu lhe pusesse à frente ou atrás. Ou com que estilo musical lhe atirasse. Fado, rock, clássica, ou outra coisa qualquer, este integrado foi sempre o melhor compromisso. Aliás, compromisso não é a palavra ideal, pois é algo que normalmente aplicamos a algo que não costuma ficar com a medalha de ouro de batalhas ganhas, mas que no fim do campeonato, na acumulação de pontos, fica à frente dos demais. Não! O Cobra ganhou na regularidade e nas eliminatórias.
O Cobra sabe àquela carne marmoreada rica e suculenta, que até nem precisava de receber qualquer tempero, além de flor de sal. Mas que o Chef mesmo assim temperou com um cubo de Roquefort a cavalo.
As minhas aventuras no Highend áudio permitiram-me tomar contacto com alguns poucos equipamentos que me ficaram entranhados na memória. Pela forma como elevaram o meu consumo musical a níveis que desconhecia até aí. Este Cobra é um deles, este Cobra é um hino à música.
Página representante em Portugal
Especificações
MAXIMUM OUTPUT: 28 Watts per channel
VALVE COMPLEMENT: 4 x EL34; 2 x 6AU6; 2 x 5670
DIMENSIONS: 340(w) x 199(h) x 451(d) mm incl. valves, knobs and connectors
Equipamento utilizado nesta análise
- Audio Note (UK) Cobra: amplificador integrado valvulado classe A, disponível em Exaudio
- Axxess Forté 1: amplificador integrado estado sólido classe D, disponível em Autumn Leaf Audio
- Serblin & Son Frankie EX: amplificador integrado estado sólido classe AB, disponível em Home Audio
- Marantz Stereo 70s: receiver stereo estado sólido classe AB, disponível em BW Group Spain
- MoFi StudioDeck: gira-discos, disponível em Ultimate Audio
- Denon DNP-2000NE: streamer, disponível em Smartaudio
- Eversolo DMP A-6 Master Edition: streamer, disponível em Esotérico
- PMC Prodigy 5: colunas de chão, disponíveis em Ajasom
- Triangle Borea 03: colunas monitoras, disponíveis em Ajasom
- B&W 607 S3: colunas monitoras, disponíveis em BW Group Spain
- Cablagem Audio Note: disponível em Exaudio